Veganismo na infância: é possível ser saudável?

Alimentação Bem-estar
31 de Março, 2022
Veganismo na infância: é possível ser saudável?

“Eu acho que acontece de forma bem natural, porque, na verdade, sempre foi assim para ela. Esse é o normal dela. Eu até brinco falando que o brigadeiro vegano, para ela, é só brigadeiro”. Criadora do perfil Imagina Vegan, que soma mais de 245 mil seguidores no Instagram e 375 mil no TikTok, Claiti Cortes conta como é a relação de sua filha Antonela, de quatro anos, com a alimentação. Vegana desde quando estava na barriga da mãe, ela encanta os usuários que a acompanham com a diversidade e a beleza dos pratos que come. Os movimentos vegetariano e vegano ganharam bastante força ao longo dos anos, mas ainda existem muitas dúvidas acerca da segurança desse tipo de dieta. Se tratando das crianças, como Antonela, a preocupação é ainda maior. Optar pelo veganismo na infância é, afinal, saudável e seguro, ou é uma prática que deve ser evitada?

“As alimentações vegetariana e vegana são totalmente seguras. Eu explico para os pais que é uma escolha tranquila. A gente só precisa priorizar alguns nutrientes. Fazendo esse balanço, a gente consegue ter uma alimentação totalmente segura e adequada”, é o que diz a nutricionista Caroline Beskow. Pós-graduada em nutrição em pediatria e capacitada no atendimento de vegetarianos e veganos pela SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira), a profissional insiste em destacar que as suas orientações são todas respaldadas cientificamente. Por meio do seu conhecimento e das próprias experiências, Caroline afirma que busca, com o seu trabalho, oferecer segurança para os pais que se sentem desconfiados em relação à adoção do veganismo durante a infância.

Veganismo na infância e conexão na cozinha

veganismo na infância

No caso de Claiti, que já é adepta ao veganismo há cerca de cinco anos, desde a gestação havia uma expectativa sobre a alimentação de Antonela. “No primeiro momento, a ideia era de que ela fosse vegetariana, até porque o pai dela não é vegetariano e nem vegano. Mas aconteceu de forma bem natural a questão alimentar, e ela acabou não se interessando por nada de origem animal. E aí a gente seguiu no veganismo”, relembra.

Outra coisa que chama atenção nos conteúdos compartilhados no Imagina Vegan é a diversidade de alimentos. As refeições incluem uma variedade enorme de frutas, verduras e legumes e versões veganas de bolos, mousses e tortas. 

Claiti defende que é possível adaptar qualquer receita. Na escola de Antonela, os funcionários enviam uma sugestão de cardápio para os pais prepararem e mandarem para os lanches. “Se tem um bolo de cenoura na sugestão, tento fazer um bolo de cenoura vegano. Porque, no fim, tudo pode ser feito na versão vegana, né? Pão de queijo, eu faço pão de beijo com batata ou mandioca. Quando tem pastel, eu faço de legumes assados. Então, a gente sempre vai dando essa adaptada”, conta.

A influenciadora ainda conta que sempre buscou fazer com que a pequena colocasse a mão na massa. As duas ganharam muita notoriedade nas redes com vídeos curtos intitulados de “O que comemos em um dia”. Neles, a participação de Antonela na preparação das refeições é frequente — e não à toa, já que a mãe acredita na importância dessa inclusão. “A gente leva a alimentação como um momento importante do nosso dia. A gente optou desde o início, por exemplo, por comer todo mundo junto, sem distrações. Então, a gente tem muito esse momento da comida e inclui ela também”, diz.

Paladar seletivo? Aqui não

Deu para perceber que o paladar seletivo passa longe de Antonela. De acordo com Caroline, é comum que a alimentação vegetariana e vegana traga uma nova visão sobre o consumo de legumes, frutas e verduras. Apesar de as pessoas que consomem carne também terem acesso a todos os alimentos, muitas vezes elas acabam negligenciando tais itens na hora de montar o prato.

A nutricionista revela que vê no dia a dia como é possível montar um cardápio 100% vegano e, ao mesmo tempo, saudável e nutritivo para as crianças. Ela é a nutricionista responsável por montar as refeições dos alunos da Animal Friends, escola infantil, bilíngue e vegana de Porto Alegre.

“A gente começou elaborando um cardápio totalmente vegano e sem nada de alimentos industrializados. Eles [os donos da escola] também me pediram para não incluir o glúten, para justamente abranger mais crianças. A gente trabalha dessa forma para que, de fato, na escola, as crianças tenham esse contato mais próximo com os alimentos de uma forma natural”, comenta.

A Animal Friends, inaugurada no início de 2021, recebe crianças de seis meses a seis anos de idade. Caroline monta o cardápio de 15 em 15 dias e procura sempre priorizar os alimentos da estação. Além disso, ela conta que as combinações nem sempre são bem recebidas pelas crianças e, por isso, ela as ouve e busca adaptar as receitas. 

A escola tem como princípio oferecer protagonismo para os alunos e, seguindo o mesmo caminho, a relação com a alimentação não fica de fora. “A gente sempre tenta trabalhar os alimentos de uma forma bem respeitosa. Trabalhamos com essa abordagem de respeitar as escolhas e as individualidades. Nem sempre uma criança vai estar bem para comer, por exemplo, e nós não vamos obrigá-la”, pontua a profissional.

Veganismo na infância: cardápio

Em relação ao cardápio, Caroline conta como faz para montar e incluir refeições balanceadas e nutritivas na rotina das crianças. “Geralmente, a gente pede para que os pais já deem o café antes da criança chegar na escola, mas acontece de alguma criança vir sem tomar café. Então, a gente dá uma frutinha e, naquele momento, colocamos chia e aveia para garantir a absorção do ômega-3 e também ter uma parte de fibras a mais”, conta.

No almoço, eles priorizam o arroz e o feijão ou algum tipo de massa sem glúten. A quinoa também pode substituir o arroz e, em relação às leguminosas, eles variam a cada dia. Couve refogada, vegetais crus, tomate, brócolis e abobrinha também fazem parte da refeição. Mas segundo a nutricionista, a batata é o item mais adorado pelos pequenos. “Se dependesse deles, era massinha e batatinha assada todos os dias”, brinca.

Um dos momentos preferidos dos alunos é o lanche da tarde. Além das frutas, Caroline disponibiliza outras opções diferentes. “Principalmente no verão, a gente tem feito picolé, bolinho de grão-de-bico, de espinafre, grãomelete e tofumelete”, completa. O jantar, por sua vez, costuma ser alinhado com o almoço.

Alimentação para crianças veganas

Já no consultório, a nutricionista costuma atender vários pais que estão lidando com a dúvida em relação à seguridade do veganismo na infância. Algumas vezes, a vontade surge da própria criança, como foi o caso de Caroline quando era mais nova. Em outros casos, entretanto, o interesse parte dos genitores. De qualquer forma, a profissional reforça: “Independentemente de ser vegetariana, vegana ou onívora, a criança precisa ter uma alimentação variada.”

De acordo com a especialista, pelo menos um cereal e uma leguminosa são indispensáveis no almoço. Nos lanches intermediários, é interessante colocar uma fruta. Além disso, variar nas opções de vegetais é importante. A combinação popular arroz e feijão também não tem erro. “O resto, a gente faz mais de acompanhamento. A leguminosa vai ser fonte de ferro, então a gente já pega dois juntos, garante a proteína e garante o ferro. O restante das vitaminas e dos minerais vêm dos vegetais”.

Ela também recomenda que os pais ofereçam pelo menos três frutas e três vegetais diferentes por dia para a criança. “A chia e a linhaça, que são fontes de ômega-3, devem ser incluídas em algum lanche ou nas preparações. Se a criança não aceitar comer as sementinhas da linhaça, pode dar em forma de óleo”, completa.

Optar por uma fruta rica em vitamina C após o almoço é uma boa ideia. A laranja, o abacaxi, a melancia e a tangerina, por exemplo, garantem a absorção do ferro e de outros nutrientes essenciais.

Mas, acima de tudo, Caroline ressalta: “Cada um tem as suas aceitações, os alimentos que gostam mais e que gostam menos, mas a gente consegue garantir os nutrientes necessários com base nesses alimentos.”

Veganismo na infância: exames

veganismo na infância

Claiti conta que Antonella, como qualquer outra criança, faz o acompanhamento pediátrico padrão, mas as consultas com nutricionistas são mais esporádicas. Por outro lado, ela mantém os exames em dia para conseguir saber se está tudo certo em relação à B12 e outras vitaminas.

Caroline indica que todas as pessoas façam exames antes de iniciarem o processo de transição para o vegetarianismo ou o veganismo — seja na infância ou não. Dessa forma, as informações já ficam claras de antemão. No caso das crianças, a nutricionista costuma solicitar a verificação de alguns indicadores. “A partir de um ano, a gente já pede alguns exames para ver se está tudo bem. A partir de dois, a gente já pede outros. Desse modo, a gente consegue ter um parâmetro e, assim, podemos trazer segurança para os pais.”

Ser vegano é caro e trabalhoso?

Muitas pessoas acreditam que, para ser vegetariano ou vegano, é necessário ter uma renda alta. Nas redes sociais, Claiti desmistifica essa crença. Em um de seus vídeos, ela mostrou como conseguiu preparar refeições para o dia todo com apenas R$12. “A ideia é de trazer um veganismo simples, uma coisa bem do dia a dia, com o que a gente tem em casa.Tudo bem mais simples do que parece”, comenta.

Caroline pontua que existe essa associação equivocada principalmente por conta dos valores dos alimentos industrializados veganos: “A verdade é que os alimentos industrializados veganos são realmente mais caros, mas quando a gente fala de uma alimentação mais natural e mais aberta, com alimentos saudáveis, ela se torna mais barata.”

Além disso, para alguns, passar horas na cozinha preparando os alimentos pode ser muito desanimador. Mas, infelizmente, é necessário. Como a Claiti sempre teve uma relação próxima com os alimentos, por conta de sua criação, isso não foi um problema. Tal hábito está, agora, sendo passado de geração em geração. Antonela, naturalmente, já criou esse vínculo com a comida.

“Em relação ao tempo, eu sempre digo às famílias para que elas se preparem. Caso não consiga preparar no dia, separe um outro momento, nem que seja em um sábado ou um domingo para organizar as marmitinhas e deixar alimentos congelados. Principalmente para as crianças que estão na introdução alimentar, é interessante já deixar tudo preparado para semana. Mas a questão de logística e de organização deveria ser a mesma para vegetarianos, veganos e não vegetarianos”, opina Caroline.

Lidando com o outro

Os mitos que circundam o vegetarianismo e veganismo na infância ainda são muitos. A nutricionista conta que recebe vários comentários nas redes sociais, os quais afirmam que crianças que não se alimentam de nada de origem animal ficam desnutridas e “magrinhas”. Outras pessoas se incomodam com a questão ideológica e dizem não ser certo fazer esse tipo de imposição para a criança.

Na visão de Caroline, tal afirmação não tem fundamento, já que: “Toda alimentação que uma criança tem é uma imposição, seja vegetariano ou não, já que ela ainda não tem esse poder de escolha.”

Claiti conta que recebe alguns comentários negativos nas redes, mas, felizmente, são minoria. Na verdade, as pessoas respeitam bem a sua escolha e, por verem Antonela crescer forte e saudável, não costumam contestar a sua alimentação.

Por fim, quando questionada sobre as expectativas de Antonela continuar vegana ou não no futuro, Claiti se mostra tranquila e transparente: “Eu acho muito difícil dar uma opinião sobre, porque, na verdade, ela já tem contato com esse universo, já que o pai dela não é vegano. Mas eu acho bem difícil saber o que ela vai escolher depois. O negócio é que ela tem as opções, né?”

Fonte: Claiti Cortes, criadora do perfil Imagina Vegan e Caroline Beskow, nutricionista.

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