Crianças que consomem alimentos ultraprocessados têm maior chance de ter obesidade
Há algum tempo, a ciência alerta a população sobre os riscos à saúde associados ao consumo de refrigerantes, biscoitos, balas e todo e qualquer produto alimentício baseado quase que unicamente em ingredientes industriais, os chamados ‘ultraprocessados’. Agora, pela primeira vez, um estudo desenvolvido por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP, em parceria com o Imperial College London, no Reino Unido, avaliou o consumo de alimentos ultraprocessados a longo prazo, da infância até o início da vida adulta, e seu efeito nos indicadores de obesidade.
Nela, 9.025 crianças britânicas de 7 anos foram analisadas até completarem 24 anos de idade. Como resultado, os pesquisadores mostraram que os indivíduos que consumiam mais alimentos ultraprocessados na infância tinham piores padrões de obesidade.
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Como funcionou o estudo
A pesquisa teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Já o artigo foi publicado na revista médica Jama Network.
O grupo de 9.025 crianças nascidas na década de 1990, na cidade de Bristol, na Inglaterra, passou a ser acompanhado em 1991. Assim, os pequenos foram avaliados (a cada três anos) em quatro categorias. Índice de massa corporal (IMC), índice de massa gorda (IMG), peso e circunferência da cintura, coletados dos 7 aos 24 anos de idade.
Para analisar o consumo alimentar aos 7, 10 e 13 anos de idade, os participantes registravam em diários tudo o que consumiam em um período de 24 horas durante três dias não consecutivos. Incluindo os tipos de alimentos e bebidas, as quantidades e os locais das refeições.
Depois, os dados foram categorizados segundo a classificação NOVA, que descreve os alimentos de acordo com o grau de processamento industrial. Desse modo, os itens poderiam ser alimentos in natura ou minimamente processados; ingredientes culinários processados; alimentos processados; ou, então, alimentos e bebidas ultraprocessados.
Ao final da pesquisa, os participantes, agora no início da vida adulta aos 24 anos de idade, foram avaliados. Os resultados dividiram os 9 mil indivíduos em 5 grupos, de menor para maior consumo de ultraprocessados. Como resultado, descobriu-se que os adultos que consumiam mais alimentos ultraprocessados na infância tinham maior tendência à obesidade. Ou seja, pesavam 4 kg a mais, tinham níveis de IMC e IMG superiores e três centímetros a mais de circunferência da cintura.
Além disso, as crianças que mais consumiam esse tipo de alimento não apenas ganhavam mais peso. Mas apresentavam pior ganho de peso, com maiores danos à saúde.
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Alimentos ultraprocessados na infância e obesidade
Daniela Neri, uma das responsáveis por essa análise, destaca que a proporção dos alimentos ultraprocessados na dieta das crianças britânicas é muito alta: constituem mais de 60% das calorias da dieta. Ainda de acordo com a pesquisadora, há uma clara substituição de alimentos in natura ou minimamente processados por ultraprocessados.
Na infância, a formação de hábitos alimentares tem efeito duradouro ao longo da trajetória de um indivíduo. E, por isso, a preferência das crianças por produtos que não são alimentos de verdade preocupa os cientistas. Além do baixo valor nutritivo, com maior quantidade de calorias e gorduras não saudáveis e menor porção de fibras, vitaminas e minerais, os mecanismos por trás dos alimentos ultraprocessados promovem redução da saciedade, além de consumo em excesso e sem atenção. O tempo de mastigação de uma salsicha, por exemplo, é muito menor do que o de um pedaço de carne, que possui melhor valor nutricional, exemplifica a pesquisadora.
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Daniela Neri aponta que esse problema é coletivo e exige atuação do governo em nível de saúde pública. “Os guias alimentares precisam deixar bem claro os malefícios da alimentação baseada em ultraprocessados. Como o Brasil fez no guia da população brasileira e no das crianças menores de dois anos”, ela diz. Ademais, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em outubro de 2020, um modelo de rótulo para os alimentos processados e ultraprocessados no Brasil, que tem um selo de advertência de eles tiverem excesso de sal, açúcar e gorduras saturadas. “Mas é também importante que o país avance em políticas e ações para desincentivar o consumo de alimentos ultraprocessados, como a taxação desses produtos e restrição do marketing”, completa.
(Fonte: Guilherme Gama | Jornal da USP)