Bem-estar no trabalho: como priorizar a saúde mental
Em março deste ano, o Zenklub, plataforma de terapia online, realizou uma pesquisa para entender quais são os fatores que mais afetam o bem-estar no trabalho. Exaustão e preocupação constante foram os mais citados entre os funcionários que participaram — sintomas que fazem parte de um dos distúrbios mais comentados nos últimos anos: a Síndrome de Burnout. De acordo com a psicóloga, pós-graduada em gestão de pessoas e consultora de empresas Caroline Mihailovici: “falar de saúde mental é falar do bem mais precioso que as empresas têm: as pessoas. Afinal, uma marca não é nada se não tem alguém por trás pensando.”
A pandemia do coronavírus impactou diretamente as relações econômicas e de trabalho. O número de desempregados no início de 2021 ultrapassou a marca de 15 milhões no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) revelou que quase 600 mil empresas fecharam as portas durante esse período.
O modelo home office foi adotado por alguns estabelecimentos. O estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que, ao todo, 10% dos trabalhadores do país passaram a exercer suas funções à distância durante a crise sanitária.
Todas essas mudanças inesperadas e de grande impacto na dinâmica do trabalho afetaram a vida dos funcionários e deixaram suas marcas até hoje. Mesmo depois de uma diminuição no contágio e, consequentemente, a flexibilização das medidas de segurança, as pessoas permanecem com feridas abertas. Além de terem que lidar com o luto e o medo, a insegurança e a preocupação no âmbito profissional também cresceram. Assim, a necessidade de trazer para o debate a questão da saúde mental e do bem-estar dos funcionários nunca foi tão urgente.
Impacto da pandemia
Caroline explica que as pessoas não tiveram escolha, a não ser se adaptar à realidade na qual foram inseridas abruptamente. Ela pontua que, acima de tudo, é preciso levar em consideração que ninguém estava preparado para essas mudanças. Além disso, aqueles que passaram a trabalhar em casa precisaram conciliar as vidas pessoal e profissional em um só lugar. “Antes do home office, o trabalho poderia ser desgastante e causar irritação, mas uma hora terminava, né? Você batia seu ponto, desligava a sua máquina e ia para casa”, diz.
Aqueles que não souberam dosar essa fusão entre vida profissional e pessoal acabaram sofrendo consequências complicadas. Assim, os casos de burnout subiram significativamente nesse período. Um levantamento realizado pela LHH do Grupo Adecco, empresa suíça de recursos humanos, revelou que 38% das pessoas ouvidas haviam sofrido burnout no ano de 2021. Além disso, 32% dos participantes confessaram uma piora na saúde mental por conta do trabalho remoto.
“O burnout é um esgotamento emocional causado por conta do lado profissional. Geralmente ele vem acompanhado de alguns sintomas como alta irritabilidade, falta de motivação, insegurança, sensação de fracasso, além da crença de ter que estar sempre trabalhando, mas não encontrar prazer nessas tarefas. Também tem sentimentos de desgaste, diminuição da autoestima (porque você nunca alcança aquilo que é proposto) e ansiedade”, comenta a profissional.
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Uma nova forma de pensar
A especialista acredita que a angústia e a insegurança são sentimentos legítimos. Eles têm o poder de paralisar ou mobilizar. A partir dessa ideia, ela conta que percebeu em seus pacientes um movimento comum: a busca por um propósito. O contato com a finitude da vida e as incertezas causadas pelas novas dinâmicas do trabalho fizeram com que algumas pessoas passassem a questionar as suas decisões.
De acordo com ela, esse período serviu como um divisor de águas. “O Brasil tinha muito uma noção de que o trabalho ideal era o de carteira assinada, que te proporciona benefícios e etc. A pandemia veio para balançar isso e também o que é o sentido da vida. Nesse tempo, as pessoas começaram procurar se entender e compreender o que realmente faz sentido.”
Com isso, diversos brasileiros abriram seus próprios negócios. O empreendedorismo chegou a crescer no país, uma vez que, frente ao desemprego e à crise econômica, as pessoas tiveram de recorrer a alternativas para se sustentarem. Além disso, Caroline viu pacientes migrarem de carreira, trocarem de emprego ou estudarem novos assuntos.
Bem-estar no trabalho: responsabilidade das empresas
Entretanto, é preciso entender que a maioria dos trabalhadores não têm essa possibilidade de trocar de emprego ou se aventurar em um novo ramo. Por isso, discutir bem-estar e saúde mental dos funcionários se mostra tão necessário e inadiável. “Durante a pandemia, as empresas que foram mais cuidadosas tiveram mais reconhecimento dos funcionários”, pontua.
De acordo com a profissional, o principal erro cometido pelas empresas é falar muito e fazer, de fato, pouco. “Muitas empresas me procuraram. Inicialmente, a gente faz um projeto e depois me pedem para fazer uma palestra. Palestra é paliativo, é a pontinha do iceberg, né? Não é uma palestra que muda uma cultura organizacional”, defende.
Assim, as relações dentro da empresa, a postura da liderança, o posicionamento do negócio frente à satisfação do funcionário e a política de feedback fazem parte de uma empresa realmente comprometida com o bem-estar dos colaboradores. “Não dá para falar sobre saúde mental, mandar a pessoa trabalhar 15 horas por dia e achar que está normal, né? Então, tem que mudar toda a linha de trabalho. Eu vejo que no momento de crise, muitas vezes, a primeira coisa a ser cortada é a saúde mental”, afirma.
Como encontro bem-estar no trabalho?
Fazer terapia, buscar ter momentos de lazer e conversar com o setor de Recursos Humanos da empresa são os três hábitos que Caroline indica que os funcionários adotem para atingir um maior nível de bem-estar no trabalho. “Primeiramente, buscar hábitos saudáveis. Cada um de nós sabe aquilo que faz bem. Seja ir para academia, assistir a um filme na Netflix, sair para caminhar. Enfim, o que importa é encontrar aquilo que faz você se sentir bem”, explica.
Buscar olhar para si e separar momentos para focar em coisas não relacionadas ao trabalho é essencial. Além disso, mostrar que o canal de comunicação está aberto e tentar contactar pessoas da empresa com as quais você se sente confortável para pontuar as suas visões é necessário. “É uma série de combinações que vai ajudar a melhor a questão do bem-estar no trabalho. Até porque não é tudo que a gente pode culpabilizar a empresa, certo? As pessoas também precisam ser responsáveis pelas escolhas que elas fazem. E, afinal, como elas estão escolhendo?”, questiona a profissional.
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Fonte: Caroline Mihailovici, psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, (PUC-SP), consultora de empresas e pós-graduada em gestão de pessoas; CRP 06/157088.