Estilo de vida fitness no TikTok pode não ser tão saudável assim
Rotina de treinos, receitas proteicas e vídeos de antes e depois das mudanças de corpos. O estilo de vida fitness faz tanto sucesso que já ganhou até nome na plataforma chinesa: “Fit Tok”, o lado fit do TikTok. Segundo pesquisa da Opinion Box, esse é um dos nichos mais populares no app – 41% dos usuários entrevistados revelaram seguir perfis dessa categoria.
O problema? Diversos comportamentos ligados a essa cultura supervalorizam o corpo estético e a lógica do “vale tudo” – mesmo que estejam longe de serem saudáveis.
“Contar calorias, não se permitir viver fora da dieta, manter uma alimentação extremamente restritiva, ter fobias alimentares, episódios de compulsão alimentar e de exageros seguidos de punições são alguns exemplos”, cita Alice Farias Correia, nutricionista com extensão em Emagrecimento e Comportamento Alimentar pela UNICAMP.
Além disso, tentar compensar o que se come com excesso de atividade física também é sinal de alerta. “O pensamento de querer fazer muito cardio para emagrecer ou de tentar compensar os exageros do final de semana com atividade física não funcionam. O que funciona é a constância, a disciplina”, defende Isabelle Finger, professora de educação física e yoga.
Não confunda: Estilo de vida fitness e ser saudável
Infelizmente, ainda não existe régua para medir o nível do quanto uma pessoa é ou não saudável – sem contar que tudo depende dos parâmetros de quem observa.
Mas se formos levar em conta a definição da Organização Mundial, saúde é um estado de bem-estar físico, social e mental. Ou seja, não basta ter o shape em dia.
Para Alice, “não é possível considerar plenamente saudável um indivíduo que adquire um comer transtornado, sacrifica momentos com seus familiares em prol da dieta ou tem obsessão por exercícios físicos”.
Diferenciar o que é ou não saudável se torna um desafio ainda maior nas redes sociais, já que temos acesso a um recorte da vida do outro – que passa por filtros, edições e reparos. Não dá para saber o que realmente acontece nos bastidores.
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Comparações injustas
Enquanto alguns usuários veem os conteúdos como inspiração e fonte de motivação, outros – e arrisco dizer, a maioria – se comparam, se inferiorizam e se culpam.
Um estudo publicado no final do ano passado revelou que o TikTok contribui com a perpetuação da cultura da magreza – tendo a hashtag WeightLoss (perda de peso) quase 10 bilhões de acessos na plataforma.
Com a maioria dos vídeos trazendo o emagrecimento como ponto focal e sendo produzidos por pessoas sem especialização na área, será que eles são mesmo uma boa referência de vida saudável?
O que se perde com isso
Enxergar a alimentação e a atividade física como meros caminhos para alcançar um estilo de vida fitness é simplista – além de extremamente perigoso. Corremos o risco de esquecer do prazer que nada tem a ver com o resultado que podem proporcionar.
“Ao nos distanciarmos do comer afetivo, nos distanciamos da alimentação intuitiva e perdemos a relação social que a comida nos traz”, comenta Alice.
Para ela, uma dieta realmente saudável e sustentável a longo prazo precisa incluir momentos de socialização e considerar as preferências alimentares de cada um.
Com a prática de exercícios físicos, a mesma lógica se aplica. Em vez de enxergar como uma obrigação, punição ou um caminho para emagrecer, Isabelle convida as pessoas a curtirem o processo.
“A gente tem que mudar esse pensamento. Não é treinar para poder comer, treinar para ficar malhada, é treinar porque te faz bem”.
Além de impactos na socialização, os sentimentos de culpa, inadequação e insatisfação corporal costumam assombrar esses indivíduos. Não à toa, mais de 70 milhões de pessoas no mundo possuem algum tipo de transtorno alimentar. No Brasil, esse número só cresce entre os jovens.
As definições de estilo de vida fitness foram atualizadas
Ser fitness ou não ser? Eis a questão…
Comer alimentos que nutrem, diminuir o consumo de ultraprocessados e fast-food, praticar atividade física de forma regular. Todos estes comportamentos são reforçados pelos profissionais da saúde – que você pode (e deve) cultivar.
As redes sociais se tornaram um veículo prático e acessível para compartilhar essas dicas, receitas e rotinas, mas mais do que participar da trend da vez, é preciso ter maturidade para usar as plataformas. Um vídeo curto, a princípio tão inofensivo, pode fazer uma bela bagunça em quem não está bem seguro de si.
Dicas para se manter “imune”
1. O melhor filtro do TikTok é o bom senso
Alice e Isabelle concordam que é preciso bom senso para navegar nas redes.
Evitar comparações desleais e ter cuidado com quem coloca a estética acima de qualquer fator são atitudes essenciais na visão da nutricionista.
2. ‘Você não pode desejar aquilo que você não pode ter’
Ao maior estilo Márcia Sensitiva, é preciso, antes de mais nada, olhar para si. Fisicamente, Isabelle pontua a importância de perceber seu corpo e o formato dele. “Ver se o seu corpo ‘cabe’ nesse corpo que você quer. Dependendo, você vai precisar se restringir muito ou até recorrer a intervenções cirurgicas”, diz.
E aqui entra o segundo “pulo do gato”: você realmente quer isso? Está disposta a abrir mão de vários outros prazeres por essa estética?
“A ideia não é aceitar o corpo como é e não fazer nada para mudar. É fazer o exercício pela saúde e, assim, a estética vir de brinde”, defende.
3. Abrace sua individualidade
“O maior cuidado é você entender quem você é”, alerta Isabelle.
É tentador olhar para uma pessoa que tem um corpo e uma vida que te brilha os olhos e tentar seguir um passo a passo. Mas a educadora física lembra que cada corpo é único e precisa de um direcionamento específico. “Eu posso fazer exatamente o que você faz, mas nunca vou ser você”.
Isabelle incentiva que cada um se autorresponsabilize pela saúde e, se possível, busque orientação profissional, mas que tire a pressão desse processo. “Recalcula a rota quantas vezes forem necessárias até atingir os seus objetivos. Mas, lembre-se sempre: primeiro saúde, depois estética”.
Alice, por sua vez, faz questão de reforçar que devemos tentar encontrar a melhor versão de nós mesmos dentro da nossa própria realidade. “A beleza está no processo”, finaliza.
Fontes: Alice Farias Correia, graduada em Nutrição pela UNICAMP, com extensão em Emagrecimento e Comportamento Alimentar e Pós-graduanda em Nutrição Esportiva e Estética e Isabelle Figer, professora de educação física e yoga.