Combate à obesidade na vida real: “um pouco por dia”
As projeções do Atlas Mundial da Obesidade e do estudo A Epidemia de Obesidade e as DCNT – Causas, custos e sobrecarga no SUS apontem que, em 2030, 68% dos brasileiros estarão acima do peso, e quase 30% com obesidade. Até alguns meses atrás, Emanuela Marcelino fazia parte dessa porcentagem. O ganho de peso veio depois de momentos complicados — como o término de um relacionamento e a mudança dos pais. Sozinha, ela passou a descontar as emoções na comida e, em pouco tempo, viu a balança marcar 110 kg. O emagrecimento de Manu não se deu de forma rápida e milagrosa. Hoje, por meio das redes sociais, ela compartilha o combate à obesidade na vida real e mostra os altos e baixos da busca por mais equilíbrio e bem-estar.
Aos 22 anos, Manu, natural de Morro da Fumaça, cidade no interior de Santa Catarina, começou a ganhar peso. Ela sempre teve o trabalho como prioridade e, por isso, demorou para perceber que precisava reservar um tempo para cuidar da saúde.
“Eu só fui levando e, então, quando vi eu tinha engordado uma somatória de 40 kg”, lembra. Os pais, preocupados com a repentina mudança, foram os primeiros a incentivarem a empreendedora a tentar reverter essa situação.
Ajuda médica
Apesar do sobrepeso, os exames de Manu estavam bons e nenhum dos indicadores estavam alterados, mas a influenciadora decidiu visitar uma médica endocrinologista junto com sua mãe. Lá, esperava encontrar um lugar de acolhimento e de incentivo, mas teve sua expectativa frustrada. “Ela disse: ‘olha, você está com obesidade nível 2, e se você chegar no nível 3, vai começar a ter problemas. Eu só dou duas opções: ou você toma remédio para emagrecer, porque você não vai conseguir sozinha, ou você engorda um pouquinho mais (entre 5 e 10 kg) e eu te coloco para realizar a cirurgia.”
Uma pesquisa canadense mostrou que 33,3% dos médicos se sentem frustrados com pacientes que têm obesidade. Tal sentimento pode levar a tratamentos desrespeitosos e grosseiros e, em circunstâncias mais graves, até situações de gordofobia médica. Para Emanuela, a resposta da profissional fez com que ela se sentisse ainda mais desmotivada.
“Chateou muito, só que eu não tive o impulso de dizer: ‘Agora eu vou perder peso’. Na verdade, só me jogou mais para baixo. Eu ainda fiquei pensando: ‘Que merda, eu vou continuar aqui por muito tempo, então’.”
Nenhuma das propostas da endocrinologista parecia interessar à empreendedora. Ela não queria recorrer a remédios de emagrecimento, tampouco se submeter a uma bariátrica — mesmo que sua mãe a incentivasse para que fizesse. Sem suporte e motivação, continuou a se dedicar ao trabalho e adiou quaisquer mudanças de hábitos relacionadas à perda de peso.
Um choro necessário
As calças jeans eram a peça de roupa favorita da catarinense. Com o ganho dos quilos, ela passou a comprar tamanhos cada vez maiores até o dia em que a situação ficou, de fato, insustentável. “A calça começou a cortar o meio da minha perna, porque ela não encaixava mais. Um dia, eu coloquei uma calça que não tinha elastano. Quando eu tirei, eu estava sangrando no meio da perna. Foi a primeira vez que eu chorei. A primeira vez que eu realmente me vi naquela situação.”
Naquele dia, Manu entendeu que não queria mais seguir daquela forma. Ela decidiu ir, junto com o marido, para um campo ao ar livre de sua cidade. Lá, começou a fazer caminhadas e iniciar, aos pouquinhos, a adoção de novos hábitos. Nessa mesma época, começou a postar mais conteúdo nas redes sociais e iniciar a sua trajetória como microinfluenciadora. Foi, então, que uma nutricionista e um personal trainer a convidaram para participar de um desafio de 30 dias mais saudável.
Ela aceitou a proposta da parceria, mas não acreditou que realmente conseguiria ter resultados com o projeto. Hoje, três anos depois de ter topado o desafio, aos 30, se vê em um lugar completamente diferente e que vai muito além da estética.
Combate à obesidade na vida real: hábitos que transformam
Emanuela reforça que as suas mudanças não aconteceram do dia para a noite. Ao todo, a influenciadora soma três anos de transformação de hábitos com orientação profissional e acompanhamento durante todo o processo.
Desde o início, ela sabia que não seria fácil, mas foi encontrando estratégias para se manter comprometida com seus objetivos. “Eu não trabalho bem com metas. Se eu me sinto pressionada, eu recuo. Então, eu lancei para mim o lema ‘um pouquinho por dia’. Eu pensava: ‘é só hoje, Manu, é só hoje’.”
A ideia funcionou tão bem que ela decidiu compartilhar a frase como um mantra nas redes. Hoje, mantém uma comunidade de mais de 12 mil seguidores.
Alimentação
A empreendedora sempre teve o hábito de beliscar. Ela diz que nunca foi de comer grandes quantidades, mas estava sempre petiscando entre as refeições. Esse foi um dos principais costumes que Manu teve que mudar.
No início, sentiu dificuldade de colocar o plano alimentar da nutricionista em prática. Durante a maior parte do processo de emagrecimento, ela ainda se via beliscando ou se dando recompensas por meio da comida. Por outro lado, passou a priorizar verduras, frutas e legumes, que ela já gostava bastante, além de aumentar a ingestão diária de água.
“Hoje, a minha dieta é super tranquila. Então, eu como panqueca de banana de manhã, o almoço é tranquilo, à tarde tem um sanduíche com pão. Depois, à noite, tem frango ou alguma outra proteína e salada. Cerca de duas vezes por semana, eu tenho uma alimentação mais livre, saio com as minhas amigas e busco fazer escolhas saudáveis dentro do que é possível”, conta.
Nos últimos seis meses, Manu passou a criar uma nova relação com a comida e a levar uma alimentação saudável mais a sério. Ela não se restringe, mas tenta fazer trocas conscientes e opta por opções nutricionalmente melhores. Fã de refrigerante, não tirou a bebida do cardápio, mas bebe com menos frequência e sempre escolhe a versão sem açúcar. O hambúrguer, por exemplo, busca dividir com o marido em vez de comer sozinha.
“Então, hoje, a alimentação é mais prazerosa para mim, porque eu estou entendendo o que ela é”, diz.
Treinos
A influenciadora não consegue mais imaginar uma rotina sem atividade física, mas lembra que, por muito tempo, não foi assim. “O treino foi mais difícil do que a alimentação, porque você tem que ter esse compromisso de colocar na rotina. Eu dei muita desculpa, eu brinco que, no começo, se você me convidasse para ir no funeral no horário de treino, eu ia preferir. Só que eu persisti”, relata.
Ela iniciou a prática de exercícios por meio do treino funcional. No início, se sentiu envergonhada e não sentia que se encaixava naquele lugar, mas insistiu na prática até, de fato, pegar gosto pelo exercício.
“Ano passado, eu tive um resultado maior, ainda não gostava, mas já estava parando de reclamar e de faltar tanto. Esse ano eu comecei a perceber que eu estava gostando mesmo, porque eu não sentia mais a hora passar”, lembra.
Hoje, o treino é um dos hábitos inegociáveis na vida de Manu. Além disso, ela tenta sempre se desafiar. Uma de suas metas era aprender a pular corda — prática que, hoje, tira de letra. O próximo objetivo é começar a correr e criar cada vez mais resistência.
“Depois que você gosta de treinar é incrível, sabe? Você quer ter amigos saudáveis, quer ter pessoas que treinam ao seu lado, quer assistir vídeos de gente treinando, quer evoluir nisso. Então, tá todo mundo ali entregando o seu melhor e não só pelo físico, mas pela sensação de estar ali, conseguindo treinar com saúde”, comenta.
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Mudança de dentro para fora
Os hábitos saudáveis relacionados à alimentação e aos treinos foram o pontapé para fazer com que a influenciadora passasse a enxergar uma nova forma de levar a vida — mas nada disso teria realmente funcionado se a mudança não tivesse acontecido de dentro para fora.
“As pessoas não acreditam que é uma transformação genuína. Elas pensam que assim como eu já engordei uma vez, posso engordar a qualquer momento novamente. Mas hoje eu não tenho mais medo de voltar a ser aquela pessoa, porque eu não sou mais aquela pessoa”, declara.
Além disso, ela percebe que um erro comum de quem tenta emagrecer é buscar resultados rápidos sem entender o real significado de vida saudável. “Nenhum suplemento que você vai tomar vai fazer milagre. Você tem que treinar, tomar água, comer bem e principalmente entender o que está fazendo. Muita gente busca uma coisa muito imediata”, diz.
Combate à obesidade na vida real: palavras que machucam
Um levantamento da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e da Sociedade Brasileira de Metabologia e Endocrinologia (SBEM) descobriu que 85% das pessoas com obesidade no Brasil já sofreram algum tipo de gordofobia.
Comentários de familiares e amigos acerca do peso começaram a mexer com a autoestima de Manu. Ela lembra de um episódio em que uma pessoa de sua família a abraçou e disse, na frente de todos, que ela deveria fechar a boca, porque estava gordinha, comendo demais.
“Tem gente que consegue transformar a ofensa em combustível, mas eu nunca dei bola, na verdade. Só que chegou um momento que as pessoas começaram a falar muito. Como pode a pessoa não perceber o peso da sua palavra sobre o outro?”, questiona.
Por meio da comunidade que conseguiu construir através de sua conta no Instagram, ela encontrou forças para continuar mesmo nos piores dias. “Eu pensava: ‘as pessoas estão acreditando no que eu estou fazendo, então vai dar certo’.”
Daqui para frente
Hoje, Manu entende que a sua transformação não tem volta. Ela percebeu que deve cuidar de todas as áreas de sua vida para estar plenamente feliz. Além disso, encontrou como propósito ajudar outras mulheres a encontrarem essa disciplina rumo a uma vida com mais saúde, bem-estar e equilíbrio.
“Hoje eu vejo que eu era grande demais para estar naquele lugar e eu espero que outras mulheres pensem isso também: ‘eu sou grande demais para estar aqui encolhida, preciso sair daqui’. E assim, consigam se ver com amor e exaltar muito mais as qualidades do que os defeitos que têm”, finaliza.
Fonte: Emanuela Marcelino, empreendedora e influenciadora digital