Luto pela vida sem filhos: um olhar da mãe para a mulher

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08 de Novembro, 2022
Luto pela vida sem filhos: um olhar da mãe para a mulher

Quando nasce uma mãe, parte da sociedade esquece que antes existiu uma mulher. Por isso, algumas mulheres com filhos podem ficar sem apoio, além de se sentirem culpadas e com saudades da vida sem as crianças. Toda essa cobrança pode afetar seriamente a saúde mental das mães. Afinal, por que é tão difícil falar do luto pela vida sem filhos?

Luto, do latim luctu, é o sentimento de tristeza e um conjunto de reações após uma perda significativa. Não é preciso que alguém morra, de fato, para que a sensação surja. Quando algo abala fortemente o estado psicológico, causando sentimentos tristes, a condição também pode ser nomeada dessa forma. 

A influencer Aurora Sucinta viralizou no TikTok ao falar sobre sua realidade com a maternidade. No entanto, ela foi muito criticada, especialmente quando falou sobre ter saudades de ser quem era antes de ser mãe. Dentre os inúmeros comentários negativos que recebeu, internautas questionaram, inclusive, a educação e amor que ela sente pela filha, Liz. 

É importante saber que esse sentimento de não pertencimento à maternidade não torna a mãe uma mãe ruim. Essa situação não significa que a mulher não consegue dar carinho e ter afeição pela criança. À Vitat, ela conta por que decidiu começar o debate na plataforma.

“Quando me vi em um espaço sendo a única a me sentir como me sinto, fiquei desesperada, desamparada e com medo. Me senti única em uma forma ruim. Hoje, faço meu conteúdo para que outras mamães vejam que não são únicas e não estão sozinhas nessa luta”, afirma.

Luto pela vida sem filhos: a culpa é parte da maternidade

Sentir culpa é comum entre as mães. Assim, Aurora explica que a maternidade em si já se torna um sinônimo dessa questão, pois as mulheres se sentem responsáveis por tudo. De acordo com ela, ressignificar algumas coisas para lidar melhor com esse sentimento às vezes ajuda, às vezes não.

“A saúde mental foi a parte mais abalada após a mudança de vida para me tornar mãe. Mas críticas ainda não me afetam de forma negativa”, conta a influencer. Além disso, Aurora explica que pretende falar abertamente com a filha quando ela for mais velha. Dessa forma, mostrará para a pequena essa parte da história da família, que está vivendo, vencendo e dando um novo significado com a mãe.

De acordo com Denize Savi, especialista em Ciência da Felicidade, Psicologia Positiva, Neurociência e Comportamento, a maternidade é vista como algo sagrado. Por isso, acredita-se que ser mãe é a essência da vida de uma mulher. 

“É difícil levar em conta que a maternidade é um tipo de relação humana e, como em qualquer relação, pode haver todos os tipos de emoções e sentimentos. Sempre foi dito que a maternidade muda nossas vidas para sempre. E isso é verdade. Mas, para muitas mulheres, nem sempre muda para melhor”, afirma.

A especialista alerta que, apesar disso, a pressão social que as mulheres tem é absorvida tão intensamente que elas mesmas se tornam as maiores porta-vozes do discurso da obrigação. Por isso, na visão de Savi, o assunto não era discutido antigamente, afinal, é muito culposo e faz com que a mãe seja tachada como ingrata, egoísta e cruel, como no caso de Aurora, que recebe “hate” sempre que entra no assunto. 

O lado menos comentado de ser mãe

Mesmo que para algumas mulheres seja mais fácil de encarar e reconhecer que não existe um problema em sentir falta de quem era antes dessa grande responsabilidade, ainda é difícil lidar com isso, especialmente quando se está sozinha. Mas o importante é lembrar que o sentimento é natural e não deve ser tratado como um pecado. 

Denize Savi ressalta que é natural surgirem sentimentos ambivalentes de felicidade e angústia pelas mudanças, e que cada mulher vivencia esse momento de formas diferentes. De acordo com a especialista, é importante levar em consideração diversas variáveis, como o momento em que ela está vivendo, o ambiente, circunstâncias em que a gravidez aconteceu (se foi ou não desejada, se teve contexto familiar), a realidade em que essa mãe vive, condições financeiras e outros fatores. “E toda mudança dói, porque temos que renunciar alguma coisa para a chegada de outra”, conta.

“Precisamos parar de romantizar a maternidade para permitir que as mães tenham uma rotina mais digna e confortável. A partir do momento em que nos tornamos mãe, viramos ‘guerreiras’, como se isso fosse um elogio pelo número de atividades que desempenhamos. Mas, desde quando estar sobrecarregada é motivo de orgulho? É exaustivo nos desdobrarmos em tantas rotinas que acabam suprimindo a nossa individualidade”, afirma a especialista.

Luto pela vida sem filhos: respeito à cada experiência

De acordo com Savi, é preciso ter um olhar menos romântico para a rotina materna. Ela conta que o fato de a mulher ter menos tempo para ela, menos privacidade, menos liberdade, sono, vida social e intimidade com o parceiro impacta muito na saúde mental dessa mãe. Tudo isso demanda de inteligência emocional para conseguir lidar.

Nas redes sociais de Aurora, um dos temas mais recorrentes é, justamente, a romantização da maternidade. “Toda vez que eu venho falar sobre a maternidade, eu escuto: ‘você deveria ter pensado antes de abrir as pernas’. Mas eu tenho uma pergunta para quem pensa assim: onde a mulher vai ter espaço para pensar nisso antes de ter um filho se a mídia mostra apenas a maternidade maravilhosa? E quem já vivenciou essa experiência contrária ao que a mídia mostra e fala disso na internet, escuta pessoas chamando de ‘mimimi’, de fresca, falando até de uma doença para zombar dessas mães, que é a depressão”, aponta a influencer em um de seus vídeos.

Por isso, ser compreensivo com cada mãe é importante. Cada experiência de maternidade é única e precisa de respeito. Sendo assim, cada mulher tem uma visão que, não precisa necessariamente, ser a da maternidade perfeita e completamente feliz.

A importância da rede de apoio

Ter uma boa rede de apoio não é relevante apenas para o bebê. Os amigos e familiares podem contribuir muito para que a mulher não se sinta sozinha, abandonada ou sem companhia. Isso não inclui apenas a presença física, mas estar lá para escutar, mandar um oi ou fazer uma chamada de vídeo, como explica a especialista Denize Savi. 

De acordo com a profissional, os familiares e amigos ajudam até nos mínimos detalhes, como saber ouvir, observar e entender. “Atitudes como lavar a louça durante uma visita, não ficar em cima da criança, ligar rapidinho para saber como estão as coisas, oferecer ajuda nas tarefas, saber ser colo também para essa mãe. Tudo isso é importante. Só não chegue sem avisar. Mande beijos, mimos, chocolate, um “conta comigo”. É necessário aprender a respeitar a vez da mãe, ajudando-a, mas nunca passando por cima dela”, diz. 

Leia também: Maternidade atípica: Quem cuida do cuidador?

Luto pela vida sem filhos: se dê atenção 

Em alguns casos, tirar um tempo parar cuidar de si mesmo é difícil. Contudo, é preciso ter esse momento para relaxar e não deixar que as dificuldades e estresses do dia a dia dominem a mente. Em um vídeo, Aurora Sucinta conta que desde que a filha nasceu, há um ano e meio, ela não havia tirado um tempo para sair e se divertir sozinha. Assim, a primeira experiência foi postada nas redes, servindo de motivação também para outras mamães que se culpam se deixam os bebês por algum momento. 

Mas é nessa hora que a rede de apoio pode ser extremamente útil. Não há nada de errado em deixar o filho com familiares ou o pai para curtir um momento sozinha 

Equilíbrio

“A mãe fica em função do bebê praticamente 24 horas por dia, mas é preciso saber balancear. Quando conseguir, assista um episódio de sua série preferida. Deixe outro responsável pela criança, como o pai ou outra pessoa de sua rede de apoio. Leia um livro e tente relaxar. Se a mãe não conseguir ter alguns momentos só seus pode acabar sobrecarregada. Por isso, não esqueça de si mesma. Aproveite muito seu bebê, mas ao se cuidar, você também estará zelando por ambos ao mesmo tempo”, afirma a especialista Savi.

A chegada de um bebê exige responsabilidade e mudanças severas na vida, especialmente de quem o pare. Por fim, lembrar-se de que não há problemas em se sentir triste é importante. O luto pela vida sem filhos é normal. Esse tempo que já passou é uma memória que ficará para sempre na cabeça dessas mulheres e, com o tempo, vai dando lugar a novas lembranças de afeto e sabedoria, seja com os filhos ou apenas para com essa mãe. 

Fontes: Aurora Sucinta, influencer digital; Denize Savi, especialista em Ciência da Felicidade, Psicologia Positiva, Neurociência e Comportamento.

Sobre o autor

Gabriela Ferreira
Jornalista e Repórter da Vitat.

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