Contar ou não que sofro com o transtorno bipolar?
De uns tempos para cá, os transtornos mentais ganharam notoriedade nos meios de comunicação e nas redes sociais. Contudo, e mesmo com mais acesso à informação, pacientes que convivem com alguma dessas condições ainda são alvos de muitos estigmas e preconceitos. Por isso, pode surgir o sentimento de insegurança quando o assunto é contar (ou não) para outras pessoas sobre o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar. O que fazer
Conceitos e preconceitos a respeito dos transtornos mentais
Em 2020, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), prova anual que avalia o desempenho de estudantes do país, teve como um dos temas de redação “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira” — reforçando o fato de que apesar de muito se falar sobre a questão, ainda existem estereótipos e prejulgamentos a respeito das pessoas que convivem com os transtornos mentais.
Um estudo¹ publicado na Revista Eletrônica de Saúde Mental, Álcool e Drogas, inclusive, realizou um levantamento com um grupo de servidores de uma instituição de ensino superior. Como conclusão, os pesquisadores perceberam não haver definição clara sobre transtorno mental.
“Verificou-se que a ligação entre preconceito e sofrimento psíquico permanece embutida na sociedade, requerendo que o tema continue a ser discutido nos grupos sociais”, disseram os autores no artigo. A própria Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (ABRATA) define que o preconceito contra portadores de transtornos mentais chama-se psicofobia².
Medo do julgamento
O transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma das condições cercadas por mitos e ideias preconcebidas. De acordo com a psicóloga Cláudia Memória, da Nilo Saúde, trata-se de um “distúrbio caracterizado pela variação intensa e desproporcional do humor (entre polos de mania e depressão).”
A fase de mania pode começar com sensação de aumento da energia, criatividade e sociabilidade. Mas a especialista afirma que o mais comum é o aparecimento de irritação, impaciência e convicção sobre seus pontos de vista. “Nesse estado, a autocrítica costuma ser reduzida, levando a comportamentos impulsivos ou mesmo raivosos contra pessoas que apontem um problema.”
Já na fase depressiva, os sintomas incluem: tristeza, falta de energia, perda do prazer, alteração do apetite, insônia ou excesso de sono, perda da concentração, redução da libido, isolamento social, lentidão ou agitação motora, pensamento de culpa, falta de esperança e ideação suicida.
Justamente por conta dessa oscilação do humor, muitas vezes a pessoa com transtorno afetivo bipolar é vista como alguém “difícil de lidar”. “É muito comum o uso de termos como ‘pessoa de temperamento forte, explosiva e imprevisível’. Por isso, os portadores têm medo de serem julgados ou sentem-se envergonhados por suas atitudes mais ‘desinibidas’ (compras, brigas, sexualidade exacerbada) nas fases de hipomania”, ressalta a psicóloga.
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Contar ou não que tenho transtorno afetivo bipolar?
Primeiramente, Cláudia Memória explica que é importante entender que o TAB não ocorre por uma escolha da pessoa, e muito menos é culpa dela. Além disso, não é o resultado de uma “personalidade fraca ou instável” — mas sim uma condição médica tratável, para a qual existem medicamentos específicos e tratamento psicoterápico.
“Um receio dos pacientes são os limites entre as características intrínsecas ao TAB versus a individualidade — como se qualquer atitude fosse sempre justificada pela bipolaridade, desconsiderando sua personalidade, história pregressa, seus valores e seu momento de vida. Enfim, é importante considerar que o indivíduo existe além do transtorno”, diz.
Ou seja, por ser uma doença crônica, ela deve ser entendida como qualquer outra (como hipertensão ou diabetes). “Muitas vezes, os pacientes omitem o diagnóstico por receio de serem olhados de forma diferente. Mas entende-se que dividir o fato com outras pessoas (principalmente as mais próximas e confiáveis) é também uma forma de autocuidado que pode favorecer a adesão ao tratamento.”
Ter a ajuda de uma rede de apoio sólida pode fazer toda a diferença. Por isso, vale contar para aqueles que tentarão compreender o seu lado e buscarão mais informações sobre a condição. Afinal, a ABRATA diz que a família e os amigos serão uma “peça-chave no processo de mudança e melhora da qualidade de vida, pois irão proporcionar um bom sistema de suporte para o bipolar, ajudando-o a lidar com a doença, reduzindo recorrências de mania e hipomania e apoiando no momento da depressão.”³
Fonte:
- Cláudia Memória, psicóloga da Nilo Saúde e neuropsicóloga pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Bibliografia:
- [¹] – C NDIDO, Maria R; OLIVEIRA, Edina A; et al. Conceitos e preconceitos sobre transtornos mentais. SMAD, 2012. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/smad/article/view/77400. Acesso em: 12/12/2022;
- [²] – ABRATA. O paciente psiquiátrico: mais invisível que o vírus. 2020. Disponível em: https://www.abrata.org.br/o-paciente-psiquiatrico-mais-invisivel-que-o-virus/. Acesso em: 12/12/2022;
- [³] – ABRATA. Tenho transtorno bipolar, e agora? 2018. Disponível em: https://www.abrata.org.br/site2018/wp-content/uploads/2018/12/TENHO-TRANSTORNO-BIPOLAR-E-AGORA.pdf. Acesso em: 12/12/2022.