Além da quimio: práticas complementares no tratamento do câncer infantil
Risoterapia, arteterapia, aromaterapia e terapia assistida por cães. Essas práticas não fazem parte do script de tratamento de câncer infantil tradicional, mas existem com o intuito de complementar os métodos hospitalares, como a quimioterapia e a radioterapia. Apesar de usarem ferramentas diferentes, todas as práticas complementares e integrativas têm o mesmo objetivo: se aproximar de um equilíbrio entre corpo, mente e coração, amenizando o sofrimento causado tanto pela doença quanto pelo próprio tratamento oncológico.
De acordo com Carla de Mello e Souza, psicóloga do Centro Infantil Boldrini, hospital especializado em oncologia pediátrica, tais atividades têm um papel valioso no que diz respeito aos cuidados com a saúde desse paciente. “É através dessas práticas alternativas que a criança vai conseguir se envolver nessa realidade tão dura que ela está inserida”, declara.
Estima-se que, para cada ano do triênio 2020/2022, mais de 8.600 casos de câncer infantil foram diagnosticados no Brasil. Muitas dessas crianças têm de deixar suas casas por vários meses durante o tratamento. Assim, passam a ficar longe de parentes e amigos queridos, além de enfrentarem momentos de dor, sofrimento e angústia. Justamente por isso, Carla acredita que o tratamento integrado é um fator importante para definir o desenrolar desse processo.
Um motivo para sorrir
Entre as práticas integrativas, a Terapia do Riso é uma que existe há mais de 60 anos. Em São Paulo, a Rede Semeando Alegria, fundada pelo psicólogo e ator Dário Teixeira, busca proporcionar momentos em que o riso pode florescer.
Com 80 voluntários, o projeto já atendeu mais de 3 mil crianças em tratamento de câncer. “A risoterapia compartilha com as pessoas a importância de vivenciar pequenos momentos de alegria, seja com contação de história, cantiga de roda ou brincadeiras lúdicas”, conta o idealizador da Rede.
Para ser um terapeuta do riso da Rede, é necessário passar por um treinamento que tem o intuito de tocar as crianças para além do externo. Ou seja, a ideia é que as intervenções, sejam elas estruturadas previamente ou não, consigam tocar a alma desses pacientes e fazer rir por dentro.
Práticas complementares: a arte e o brincar
A arteterapia faz parte das terapias presentes na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS – documento que foi oficializado em 2006 no Brasil e conta com mais de 25 tipos de terapias.
Nesse caso, profissionais especializados lançam mão de recursos artísticos com fins terapêuticos. Assim, esse serviço pode ser feito por meio de pinturas, desenhos, colagens, escritas e danças, por exemplo.
Segundo a psicóloga do Centro Boldrini, as atividades lúdicas são a melhor forma de se aproximar do paciente oncológico infantil e, assim, entender as dores pelas quais ele está passando e buscar estratégias para lidar com elas.
A brinquedoteca é um dos ambientes preferidos das crianças no hospital. “Enquanto eles estão brincando, eles estão se divertindo e sofrendo menos. O brincar é fundamental para a criança. É por meio das brincadeiras que eles vão elaborando todo esse sofrimento”, diz Carla.
Já no grupo de apoio à criança com câncer GACC-RN, realiza-se um trabalho também focado no lúdico, mas com a presença de instrumentos musicais, livros e objetos para pintura. Ali, acontecem oficinas de musicalização, além de momentos em que as crianças se tornam artistas e transformam as suas emoções em arte no papel.
“Trabalhar a arte como terapia com as crianças e acompanhantes foi muito importante para a elevação da autoestima, além de aguçar a sensibilidade musical, a criatividade, o bem-estar emocional, a esperança na cura, o intelecto, físico e psíquico, a concentração, entre outras boas emoções tão necessárias neste momento difícil”, diz a arteterapeuta Rafaela Brito em artigo científico.
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Terapeuta de quatro patas
Além de serem os melhores amigos do homem, os cães podem atuar de forma terapêutica com pacientes oncológicos. Uma pesquisa da Grã-Bretanha, publicada na PLOS ONE, já havia descoberto que o contato com os cachorros era capaz de diminuir os níveis de cortisol em crianças e, assim, tinha o poder de acalmá-las.
No caso de crianças em tratamento de câncer, o efeito parece ser semelhante. Entretanto, os cães, para se tornarem terapeutas, precisam ser adestrados e devem passar por uma série de treinamentos.
A Hope, por exemplo, é uma golden retriever que atua como terapeuta no Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Rio de Janeiro. André Donza, adestrador de cães, explicou que a trajetória da Hope aconteceu como de praxe nesses casos: primeiro, seleciona-se um filhote que tenha sido gerado por meio do cruzamento entre cães dóceis e calmos. Depois, existem testes para verificar se o animal está apto a ser selecionado. Por fim, o cachorro passa a viver com um tutor.
“Chegando na casa, o adestramento começa. No início, realiza-se o básico. Então, obediência básica, aprender a fazer xixi e cocô no lugar certo, trabalhar bastante com carinho e reforço de comportamento através do carinho para ir moldando esse animal ao longo do tempo”, explica André.
Geralmente a partir de um ano, o cachorro está preparado para começar a atuar com os pacientes. Isso porque ele já passou por treinamentos específicos, como se manter ao lado de uma cadeira de rodas, subir em uma maca, ser receptivo ao carinho e não morder objetos, cateteres e entradas de soro.
A hora da interação
Já no ambiente hospitalar, o animal está adestrado para não invadir o espaço de nenhum paciente. Assim, há esse treinamento de controle, em que ele espera ser chamado ou direcionado pelo adestrador para ir até a criança.
“Quando a Hope chega é uma comoção geral. Os médicos, os funcionários, os pais e as próprias crianças ficam todos comovidos. Então, ela faz com que as pessoas produzam esse hormônio do prazer e se sintam melhor”, relata.
Além disso, como a terapia com a Hope acontece semanalmente, as crianças esperam por aquele dia. Toda essa expectativa e animação facilita o trabalho dos médicos e o enfrentamento da doença. “Os pais veem as crianças sorrindo e interagindo. Eles ficam maravilhados”, diz.
O poder dos óleos essenciais
Outra terapia que está entre as PICS é a aromaterapia. Ela consiste no uso de óleo essenciais para questões relacionadas à saúde física, mental, emocional, espiritual e energética. A enfermeira especializada em pediatria com ênfase em oncologia pediátrica e aromaterapeuta Juliana Pepe Marinho explica que a prática pode ser aplicada via aromática, tópica ou por ingestão. Entretanto, ela ressalta que, em casos de crianças, a última não é recomendada.
Além disso, ela reforça que os óleos essenciais são compostos químicos extraídos da natureza, sobretudo de plantas – por meio de folhas, frutos, caules, sementes e raízes. “O óleo essencial não é místico, você não precisa acreditar para ele funcionar. Ele é um componente químico igual ao que vemos em medicamentos que são produzidos em laboratório, só que esses produtos já foram produzidos pela natureza”, afirma.
Para terem propriedades terapêuticas, os óleos precisam ser 100% puros. Além disso, cada um possui especificidades que funcionam para objetivos diferentes. Para crianças em tratamento com câncer, por exemplo, Juliana indica, sobretudo, o óleo de lavanda angustifolia.
Segundo ela, tal produto tem propriedades calmantes e analgésicas, reduzindo, assim, a dor, a ansiedade e o medo. Outros óleos comumente usados em pacientes oncológicos é o de laranja selvagem e o de camomila romana.
De qualquer forma, a consulta com um aromaterapeuta é a melhor forma de garantir um tratamento seguro e efetivo. Isso porque o profissional recomenda um protocolo específico com os melhores óleos de acordo com as queixas do paciente, os melhores momentos e a frequência de usá-los e a forma de entrar em contato com eles – como inalação ou via tópica por meio de massagens.
Práticas complementares
Existem diversas outras práticas complementares no tratamento de câncer infantil. Acupuntura, reiki, hipnoterapia e reflexoterapia são algumas delas. Nenhuma substitui o tratamento convencional. Na verdade, elas servem apenas como complemento do trabalho realizado pelos médicos. Além disso, elas podem colaborar também para ajudar os pais dessas crianças a enfrentarem melhor o diagnóstico e se sentirem menos angustiados.
“As práticas complementares tentam fazer com que a permanência no hospital, que é uma fase muito difícil na vida deles, seja um pouco mais tranquila”, finaliza Carla.
Fontes: Carla de Mello e Souza, psicóloga do Centro Infantil Boldrini, hospital especializado em oncologia pediátrica; Dário Teixeira, psicólogo, ator e fundador da Rede Semeando Alegria; Rafaela Brito, arteterapeuta; André Donza, adestrador de cães; Juliana Pepe Marinho, enfermeira e aromaterapeuta Coren-SP: 98192 CRTH-BR: 13861 ABRATH.