O que está por trás do surgimento dos vícios?

Equilíbrio Saúde
23 de Fevereiro, 2023
O que está por trás do surgimento dos vícios?

E se te disséssemos que deveríamos suportar mais doses de sofrimento e abdicar um pouco do prazer para sermos mais felizes? No livro Nação Dopamina, a médica psiquiatra Anna Lembke explica como a tentativa de nos isolarmos do sofrimento apenas torna o sofrimento pior e como essa busca incessante por prazer é uma das portas de entrada para o surgimento dos vícios

De acordo com a autora, “fazemos qualquer coisa para nos distrairmos de nós mesmos”. E isso pode significar recorrer a substâncias ou comportamentos que ajudam a liberar mais dopamina, hormônio que ativa o sistema de recompensa e, assim, causa uma sensação de bem-estar.

O problema é: o prazer e o sofrimento são processados por regiões sobrepostas do cérebro. Isso faz com que eles tentem estar sempre em equilíbrio. No livro, Anna compara essa relação com uma balança. “Sempre que a balança se inclina em direção ao prazer, mecanismos autorreguladores poderosos entram em ação para nivelá-la novamente”, escreve. 

Ou seja, se tem prazer, certamente haverá sofrimento depois.

Em busca da recompensa – o que são vícios?

A psicóloga Rosana Fernandes segue a mesma linha de raciocínio da autora. De acordo com ela, os vícios surgem, sobretudo, por uma necessidade de “preencher um vazio”. 

E aqui é importante diferenciar hábitos de vícios. Enquanto o primeiro é uma ação cotidiana, por exemplo escovar os dentes, ir para a academia, comer alimentos saudáveis, os vícios se classificam como demonstrações patológicas que comprometem as atitudes da vida diária.

“O vício surge porque de alguma forma a substância ou a prática afetou o sistema de busca e recompensa do cérebro – seja através dos neurotransmissores, por alteração hormonal ou até mesmo por lesão”, esclarece a profissional. 

Assim, com a repetição desse comportamento, as células ficam cada vez mais dependentes daquela química.

Entendendo os vícios

Alguns dos principais vícios são: bebidas alcoólicas, cigarros, drogas, internet e redes sociais, jogos e apostas, sexo, medicamentos, compras, alimentos (compulsão alimentar), trabalho e atividade físicas. 

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Todos eles têm a capacidade de liberar dopamina no cérebro. 

E apesar de, no livro, Anna reforçar a ideia de que a busca pela felicidade pessoal se tornou uma máxima moderna, não é só isso que influencia no surgimento dos vícios.

Entre os fatores de risco para se tornar dependente de alguma coisa, o fácil acesso a ela é o maior deles. Além disso, ainda temos a questão genética. Ou seja, o risco é maior se você tem um pai, mãe, avô ou avó biológicos com histórico de adição. 

A doença mental também mostra ser um fator impactante, sem contar que traumas, revolta social e pobreza aumentam o risco da dependência.

Busca desesperada pela sensação de bem-estar

Nem sempre quem desenvolve um vício consegue identificar ou até mesmo admitir que possui esse problema. A questão é que, com o passar do tempo, esse comportamento começa a afetar a vida desse indivíduo em diversos níveis trazendo uma série de prejuízos – sociais, financeiros, emocionais ou de saúde.

Looping comportamental 

Uso da substância para se sentir melhor —> Culpa por ter utilizado —> Uso da substância para se sentir melhor

“Normalmente, pessoas viciadas perdem o estímulo para a vida e começam a entrar numa degradação moral que, quase sempre, as leva à depressão, ansiedade e demais transtornos mentais”, completa a psicóloga.

A psiquiatra Jéssica Martani explica ainda que para identificar a existência de um vício é necessário observar se há um desequilíbrio entre o comportamento em questão e as outras atividades rotineiras.

“Muitas vezes as pessoas perdem esse equilíbrio e o vício se torna o único pilar e centro da vida da pessoa”, relata.

Assim, ela lista alguns questionamentos que podem ser feitos nesse momento. Por exemplo: já deixou de fazer algo que amava em detrimento da ação? Deixou de se cuidar ou de realizar atividades importantes para continuar realizando a ação? Já se prejudicou por isso? Deixou de trabalhar ou de cuidar dos filhos? Sente que está mudando a sua maneira de ser?

Como curar um vício

Rosana destaca a importância do acolhimento das pessoas ao redor. Isso porque é necessário entender que a pessoa dependente está em sofrimento. Em Nação Dopamina essa questão também é levantada.

Segundo a autora, existe a vergonha destrutiva e a vergonha pró-social. Basicamente, no caso da vergonha destrutiva, a pessoa que possui o vício é rejeitada por conta dele ou mente para que não seja rejeitada.

Já a pró-social entende que a vergonha é um sentimento útil e importante e defende, assim, que “somos todos falhos, passíveis de cometer erros e necessitados de perdão”. 

Em outras palavras, na vergonha pró-social, o indivíduo realiza o uso da substância para se sentir melhor, fica envergonhado e culpado, consegue ser honesto quanto a isso e recebe aceitação. O resultado, de acordo com a autora, é um aumento do pertencimento e uma diminuição desse vício.

Tratamento

E além desse trabalho coletivo, claro que a atuação médica profissional e a psicoterapia se fazem indispensáveis. 

“Um dos instrumentos que utilizamos é a entrevista motivacional que varia dos estágios de pré-contemplação, contemplação, determinação, ação, manutenção e recaída”, diz Jéssica.

Segundo a médica, existem técnicas específicas utilizadas por diferentes especialistas da área da saúde (médicos, psicólogos e profissionais multidisciplinares) conforme o estágio de adição que o indivíduo se encontra.

Fontes: Rosana Fernandes, psicóloga da clínica Censo; Jéssica Martani, médica psiquiatra CRM 163249 – RQE86127

Referências:

LEMBKE, Anna. Nação Dopamina: Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar. Vestígio, 2022.

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