Conviver com a solidão: onde mora o equilíbrio entre estar junto e ficar só?

Bem-estar Equilíbrio
28 de Abril, 2023
Conviver com a solidão: onde mora o equilíbrio entre estar junto e ficar só?

A completude só existe quando há o encontro com o outro. Ou pelo menos, fomos levados a acreditar nisso. Na contramão dessa ideia, cresce a onda do amor-próprio, da autossuficiência e de um empoderamento individual. Só que, ainda assim, uma voz interna insiste em reafirmar o, por vezes, tão assombroso “me sinto sozinho”.

Não à toa, especialistas sugerem que estamos vivendo uma epidemia da solidão e alguns países, como Reino Unido e Japão, inauguraram Ministérios da Solidão para enfrentar o problema, já visto como questão de saúde pública.

Mas a solidão não é de todo ruim. Para Kirlla Dornellas, doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e autora do livro “Um olhar sobre a solidão e os relacionamentos interpessoais”, se trata de um aspecto essencial para a constituição do sujeito.

“Experimentar a solidão é fundamental. Desde a infância. As crianças precisam passar por momentos de solidão para se entenderem como sujeito único”, defende.

Ser ou se sentir sozinho

Existe uma diferenciação importante dentro do que entendemos por solidão. Kirlla explica que enquanto a solidão social se refere a um enfraquecimento ou uma baixa rede de relacionamentos, a solidão emocional está relacionada à qualidade da conexão dessa rede.

Outro termo necessário para discussão é a solitude. Por definição, é o estado da pessoa que se encontra sozinha por vontade própria. O teólogo alemão Paul Tilich, grande estudioso sobre o assunto, entendia a solitude como a glória de estar sozinho. Segundo ele, é um exercício de preservação da nossa unidade, que pode ser entendido como uma solidão positiva.

Onde mora o equilíbrio entre estar junto e ficar só?

Ao mesmo tempo que o ser humano se constitui socialmente, experimentar a solidão é importante para se entender e, assim, ter uma boa conexão com o outro. Ou seja, o melhor dos mundos estaria em saber dosar momentos de solitude e as ocasiões de troca e partilha.

Só que encontrar esse meio-termo é desafiador.

O incentivo ao amor próprio e a independência emocional, por exemplo, é um movimento transformador – mas pode ser perigoso quando vivenciado de forma desproporcional.

“Você não pode estar tão ensimesmado a ponto de negar o aspecto da sociabilidade, da coletividade e da cooperação. São características fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade saudável”, explica a doutora.

Além disso, é preciso investigar se esse isolamento é realmente uma experiência de solitude, um estilo de vida, um traço de personalidade ou se é, na verdade, uma resposta a algum outro fator externo.

Quando a falta de relações vira um problema

Apesar de se autodeclarar uma defensora da solitude, Kirlla assume que os riscos de experienciar grandes níveis de solidão são reais.

Primeiro, ela explica que as relações funcionam como reguladoras sociais. Por isso, impactam desde a forma com a qual nos alimentamos até o quanto fazemos de exercício físico. “Quanto maior for a sua rede, mais chance existe de ter uma vida diversificada”, diz.

Um estudo publicado na PLOS One em 2019 vem para reforçar isso. De acordo com a pesquisa, o isolamento social aumenta as chances de inatividade física, alimentação ruim e uso de psicofármacos.

Também já existem estudos que relacionam a solidão com um risco aumentado de AVC (Acidente Vascular Cerebral) e ataques cardíacos, além de uma aceleração do envelhecimento – maior até do que o causado pelo tabagismo.

Em outras situações, ela ainda pode vir a ser uma consequência de alguma condição. “A solidão pode chamar atenção para os nossos estados de saúde mental. Geralmente, uma pessoa que tem transtorno de humor fica um pouco mais sensível a essa relação com o outro, o que pode gerar um agravamento do isolamento social”, afirma.

Leia também: Ser feliz depende de quê? Estudo parece ter encontrado resposta

“Me sinto sozinho”, e agora?

Seja qual for o tipo de solidão experienciada, as palavras de enfrentamento são: autoconhecimento e ressignificação.

A partir disso, a solidão social, por exemplo, pode começar a ser driblada.
“Vá em busca dos seus interesses, esteja presente nas redes sociais, busque experiências de coletividade e que tenham qualidade”, incentiva.

Para Kirlla, também é importante entender se essa solidão social vem de um isolamento temporário, que tem prazo para acabar – por exemplo o que vivemos durante a pandemia – ou não.

As nuances da solidão emocional

Já em relação à solidão emocional, é necessário investigar a razão pela qual, mesmo tendo pessoas com as quais você convive e se relaciona, esse sentimento insiste em permanecer. “A psicoterapia é importante para ambos os casos, mas principalmente nesse”, afirma.

E existem várias nuances da solidão emocional. No caso das mulheres, por exemplo, Kirlla percebeu, por meio da sua pesquisa de doutorado, que há uma grande sensação de vazio e de solidão logo após uma separação conjugal.

“Elas falavam de uma perda de identidade, de não saber o que elas eram sem aquele companheiro. Eram mulheres bem-sucedidas no trabalho, mestres, doutoras e que admitiam sentir uma grande solidão por não terem mais aquela companhia”, comenta.

Além, claro, de toda a socialização e cobrança para que as mulheres estejam acompanhadas para serem dignas de valor, essa situação escancara o que Kirlla chama de “desmoronamento em virtude da ausência do olhar do outro”.

E esse é um grande problema, já que a partir dessa necessidade de estar na presença do outro, projeta-se expectativas inalcançáveis que prejudicam a saúde das relações.

Sem contar, ainda, a dificuldade que algumas pessoas sentem de estar na própria companhia. O estar sozinho em casa, por exemplo, implica a necessidade de ter algum estímulo que dá a impressão de que se está acompanhado – como ligar a televisão ou escutar música.

Nós somos inteiros

Então, sim, a completude existe quando há o encontro com o outro – mas não só.

“Não existe isso de sermos incompletos. Nós somos pessoas inteiras. Quanto mais a gente reconhecer os nossos contornos mais tranquilo vai ser estar sozinho nos momentos em que isso é necessário”.

Fonte: Kirlla Dornelas, Doutora e mestre em psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e autora do livro “Um olhar sobre a solidão e os relacionamentos interpessoais”.

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