Em terra de restrições e dietas, comer sem culpa ainda é possível?

Alimentação Bem-estar
19 de Maio, 2023
Em terra de restrições e dietas, comer sem culpa ainda é possível?

Onde foi parar aquela alegria genuína em receber um pedaço de bolo no meio do dia? Em comer sem culpa o seu prato preferido – com direito a farinha branca, açúcar e bem high carb? A felicidade do inesperado e da comfort food deu lugar a uma repressão quase instantânea: “é porcaria, gordice”. E quando a gente se rende ao desejo, tão natural e humano, os sentimentos de fracasso e arrependimento atropelam o prazer antes mesmo da primeira garfada.

Na cultura da dieta, vale tudo para emagrecer, e se existe um corpo certo, consequentemente existe uma alimentação certa para atingir esse corpo. Então, tudo que diverge disso é errado.

O nosso comportamento alimentar é formado a partir de fatores internos e externos ao longo da vida. O que se vê e se ouve das pessoas mais próximas, o lugar que viveu desde a infância, as condições socioeconômicas, o acesso ou não à comida – tudo influencia na forma com a qual cada um vai enxergar e lidar com a alimentação.

Essas experiências somadas à influência cultural e social ajudam a constituir o nosso fator cognitivo. “É nele que a gente constrói, aprende e internaliza crenças e julgamentos em relação à comida”, explica Laura Hofmeister, nutricionista, pós-graduada em Comportamento Alimentar e especialista em Comer Intuitivo.

O permitido e o proibido

Na malinha das crenças, muita gente carrega a dicotomia alimentar – que nada mais é do que o ato de classificar alimentos como sendo bons ou ruins, certos ou errados, permitidos ou proibidos.

Mas essa é uma divisão injusta. “Tudo depende de um contexto”, defende Laura.
Assim, olhar só para o valor nutricional de um alimento e ignorar todos os outros aspectos que atravessam a alimentação – sociais, afetivos e circunstanciais – não é saudável.

Segundo a nutricionista, não julgar os alimentos é saber que eles não são nutricionalmente equivalentes, mas ainda assim entender que isso não faz um ser bom e o outro ruim.

E o que vem depois: Chutar o balde ou compensar

“Essa classificação moral dos alimentos, muitas vezes, só serve para gerar comportamentos mais prejudiciais”, explica. Geralmente, depois de comer algo que ‘não deveria’, a pessoa recorre a um dos extremos.

“Ela busca uma estratégia compensatória, seja um comportamento extremista de restrição, como pular refeição, cortar carboidrato, fazer jejum e até malhar em dobro. Ou opta pelo caminho do: ‘já que eu estraguei minha alimentação, vou logo comer tudo’”.

Além do próprio incômodo de sentir culpa ao comer, essas pessoas tendem a ter uma queda na autoestima, experimentar sensações de fracasso e perda de controle. E em um cenário mais alarmante, ainda existe o risco do desenvolvimento de transtornos alimentares ou relações transtornadas com a comida.

Hoje, mais de 20% dos jovens (entre 6 e 18 anos) têm algum tipo de transtorno alimentar. Além disso, uma pesquisa descobriu que a ideia de ter um ‘dia do lixo’ está atrelada à presença de TA’s, sobretudo em mulheres – que são, inclusive, as mais afetadas por essas condições.

As atividades compensatórias começam da maneira mais ingênua, sem a pretensão de se tornar algo maior e acabam evoluindo para um transtorno alimentar. E para sair desse ciclo, é preciso ajuda profissional.

Leia também: Cultura da magreza: as lutas de quem convive com um transtorno alimentar

Um possível caminho do meio?

Adepta do Comer Intuitivo, abordagem sem dieta que preconiza uma relação prazerosa e tranquila com a comida, Laura explica que o primeiro passo para se distanciar do sentimento de culpa ao comer é reconhecer que essas crenças e julgamentos existem e o quanto elas são prejudiciais.

Também é importante entender que elas não vão sumir rapidamente e que, vez ou outra, podem até ressurgir. “São pensamentos que foram reforçados durante muito tempo. Não dá para desconstruir do dia para a noite”, lembra.

Então, primeiro: reconhecer o problema.

Depois: não cobrar uma transformação instantânea e nem se julgar quando os pensamentos aparecerem.

Para Laura, também é necessário deixar de fazer qualquer tipo de estratégia restritiva. “Tentar desconstruir essas crenças enquanto faz uma restrição é estar numa batalha interna, se contradizendo a todo tempo”, diz.

Além disso, proteger-se do que se pode é fundamental. A cultura da magreza, a pressão estética e tudo o que te aconteceu até agora não estão nas suas mãos, mas quem você segue nas redes sociais sim.

Se é para fazer algum detox que seja de perfis que te façam se sentir mal em relação à sua vida, seu corpo e à sua alimentação.

O sabor de comer sem culpa

Esse movimento de observação e autoconhecimento é quase uma constante dentro do Comer Intuitivo. E, diferente do que muita gente pode imaginar, uma alimentação sem restrições passa longe de ser uma alimentação sem freios.

“Muito pelo contrário. Essa prática ajuda a criar mais consciência e tranquilidade para escolher os momentos em que a gente, de fato, quer comer certas coisas”. Trata-se basicamente de conseguir identificar o que se come, quando, o motivo e, por fim, como se sente.

É tudo por uma alimentação que seja sim nutritiva e saudável, mas que contemple todas as áreas da saúde – física, emocional e social.

Entre os ganhos de adotar uma alimentação livre de restrições, Laura cita o aumento da flexibilidade, da autonomia e da independência. Nesse sentido, a consciência interoceptiva, que é a habilidade de perceber as necessidades fisiológicas do corpo, também é beneficiada. “Você passa a entender e respeitar melhor os sinais de fome e saciedade”, comenta.

Ter acompanhamento profissional é sempre a maneira mais efetiva e segura de reeducar a alimentação, mas não é acessível para todos. Enquanto isso, repensar a própria linguagem, questionar crenças e julgamentos sobre o seu corpo e o do outro, refletir sobre a relação que tem com a alimentação e qual você gostaria de ter são formas de tentar reconstruir uma realidade em que comer sem culpa é possível  (e normal) – mesmo que só as próximas gerações possam aproveitar o gostinho dela.

Fonte: Laura Hofmeister, nutricionista, pós-graduada em comportamento alimentar e especialista em Comer Intuitivo.

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