“A Pequena Sereia”: por que este live-action é precioso às crianças negras?
“Fora do mar, eu só queria ser parte desse mundo”. Foi com esse trecho curto, mas impactante, que o público pôde acompanhar a primeira aparição de Halle Bailey no live-action de “A Pequena Sereia”. Diferente do desenho original da Disney, a produção mostra a figura mitológica negra e com os cabelos trançados, duas escolhas preciosas para trazer à tona o diálogo sobre representatividade.
Embora o trailer do filme, que será lançado em 2023, tenha sido palco de falas agressivas e racistas, isso não muda o fato de que o live-action será um recurso poderoso para crianças negras. Em outras palavras, ele será uma forma de mostrar que elas podem ser quem quiserem e ocuparem os ambientes sociais que bem entenderem.
“Por dinâmica natural, o ser humano idealiza seu mundo e expectativas por meio do espelhamento do que vê e enxerga. Em outras palavras, muitas vezes idealizamos nossas vidas em artistas de cinema, filmes, novelas e assim por diante. Desta maneira, as crianças, ao se verem representadas em um filme infantil, criam na mente a certeza de que também poderiam estar ali, que aquela fala ou lição apresentada no desenho também se destina a ela”, explica Dra. Andréa Ladislau, psicanalista e psicopedagoga.
De acordo com a especialista, usar filmes para ensinar valores importantes aos menores tende a ser ainda mais efetivo, pois “o lúdico atinge de forma assertiva o universo infantil”. E, mais do que isso, produções destinadas aos menores permitem educar e esclarecer dúvidas aos pequenos que podem vir a ser motivos de preconceitos. “Isso porque elas passam pelos princípios de que, aprendendo desde cedo, fica muito mais fácil fomentar nos menores o sentido de pertencimento, respeito, empatia e compreensão dos direitos de todos”, detalha Dra. Andréa.
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“A Pequena Sereia”: o que aconteceria sem a representatividade presente?
A psicopedagoga desenha o cenário que poderia acontecer sem a representatividade de pessoas negras em produções infantis bem como adultas. “Corremos o risco de camuflar ou jogar para debaixo do tapete questões tão importantes como a defesa de pessoas que são discriminadas ou até mesmo normalizar a prática criminosa de bullying e até o favorecimento aos rótulos depreciativos da essência do ser humano”, detalha Dra. Andréa.
Logo, a representatividade vem para mostrar ao mundo que as minorias sociais, como pessoas negras, não são invisíveis. “Muito pelo contrário: elas precisam de respeito e acolhimento para serem tratadas como iguais”, defende a psicanalista.
Dessa forma, quando famílias constituídas majoritariamente de pessoas brancas se propõe a assistirem à filmes com protagonismo negro, como o visto no live-action de “A Pequena Sereia”, as crianças aprendem que os parâmetros de melhor ou pior não estão relacionados ao tom de pele. E, caso presenciem situações de racismo, devem se posicionar para ajudar a combatê-las.
Já para núcleos familiares negros, trabalhar desde cedo essas questões auxilia a criança a se sentir parte do seu universo familiar e social. “Para que, com isso, ela não viva em meio ao medo e à insegurança de sofrer com racismo, bullying, discriminação ou rotulações criminosas e indesejadas”, enfatiza Dra. Andréa.
“Dessa forma, provoca-se o desejo nela de ser alguém e a compreensão de que será respeitada por isso”
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Só que a luta só está começando…
Ainda que a consciência sobre representatividade esteja crescendo, especialmente nas mídias como vemos no live-action de “A Pequena Sereia”, os dados mostram que o cenário para a população negra ainda é dificultoso no Brasil. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 76,2% das pessoas assassinadas no Brasil em 2020 eram negras.
Pensando, inclusive, nos grupos mais fragilizados como crianças e mulheres negras, os números ficam ainda mais delicados. Ainda segundo a fonte, 63% das vítimas infantis de violência letal foram majoritariamente negras. Além disso, 61,8% das vítimas de feminicídio em 2020 eram negras.
Fonte:
- Dra. Andréa Ladislau, psicanalista e psicopedagoga.