Trabalhe enquanto eles dormem? Ciência e especialistas dizem que não

Bem-estar Sono
19 de Março, 2023
Trabalhe enquanto eles dormem? Ciência e especialistas dizem que não

Mirando a produtividade, o sono virou o alvo da vez. Seja para ganhar destaque, uma promoção, reconhecimento ou como uma forma de autoafirmação, a expressão “trabalhe enquanto eles dormem” acabou sendo levada a sério – até demais. A verdade é que privar o sono em nome da profissão não é uma atitude nobre ou admirável. Dormir é essencial para a manutenção da saúde, e descuidar de um hábito tão vital não parece realmente vantajoso. Uma hora o corpo cobra.

E, na verdade, os brasileiros já estão começando a pagar essa conta. A insônia é o distúrbio do sono que mais nos afeta atualmente – uma em cada 3 pessoas no Brasil sofre com sintomas da insônia, de acordo com levantamento da SleepUp. E adivinha? O estresse causado pelas questões do dia a dia é um dos principais motivos dessa doença. Além disso, pessoas que sofrem com esse quadro têm 69% mais chances de ter um infarto.

Nessa mesma linha, a Geração Z mostrou ser a mais afetada por doenças mentais, e questões profissionais são as principais causas que explicam o surgimento dessas condições. Sem contar, ainda, que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, o excesso de trabalho é responsável pela morte de 745 mil pessoas por ano ao redor do mundo.

Ou seja, dormir menos para tentar entregar mais e melhor é uma furada.

Na onda do trabalhe enquanto eles dormem, estamos menosprezando o sono?

Na era da produtividade e da conexão, não seria estranho pensar que as horas em que passamos dormindo são, na verdade, momentos perdidos. 

Mas ninguém aguenta ficar tanto tempo sem dormir. Por isso, há a busca por estimulantes e formas de se manter acordado o máximo possível. Se render ao sono? Só quando não tiver saída.

Camila de Masi, psicóloga do sono, especialista em neuropsicologia e terapia cognitiva comportamental, acredita que algumas pessoas não reconhecem a importância do sono e o enxergam como um processo passivo, uma vez que enquanto estamos dormindo, a nossa capacidade de resposta e interação sofre uma diminuição.

“De fato a gente tem uma resposta ao ambiente rebaixada, mas isso não significa que o sono seja um processo simples. Muito pelo contrário. Dormir envolve mecanismos extremamente complexos do nosso sistema nervoso central”, explica.

Assim, por mais que não estejamos conscientemente produzindo algo, o nosso organismo está trabalhando incansavelmente de diversas maneiras. 

O que acontece enquanto dormimos

Durante o sono, acontece a liberação de vários hormônios e a regulação de neurotransmissores. Os níveis de hormônios ligados ao estresse, como cortisol e noradrenalina, são ajustados durante o sono, o que influencia significativamente na saúde mental.

Além disso, existem quatro fases do sono, que funcionam de forma cíclica durante toda a noite. Cada uma delas tem suas próprias características e funções. Camila explica, por exemplo, que o estágio REM é responsável pela consolidação de determinados tipos de memória. Enquanto outros aprendizados são organizados somente na fase Não REM – sono de ondas lentas. O relaxamento profundo fica por conta do estágio 3, e assim por diante…

“Em toda essa restauração, a gente equilibra o funcionamento físico e mental, e isso vai ajustar os nossos níveis de motivação, humor, capacidade de tomada de decisão e controle da nossa impulsividade”, afirma.

Assim, muitas questões cognitivas (essenciais para a produtividade e o foco) são trabalhadas, exclusivamente, durante o sono. Um estudo revelou, inclusive, que a privação de sono causa alterações em algumas funções cerebrais e, assim, provoca problemas de memória e concentração.

Ter um sono com qualidade e na quantidade apropriada para as nossas necessidades é o que faz com que a gente tenha um bom funcionamento e uma produtividade adequada. 

Leia mais: Fases do sono têm papel no processo de memória do cérebro, diz estudo

Um fim ao trabalhe enquanto eles dormem

Para dormir bem é preciso que duas coisas caminhem juntas – quantidade e qualidade. Temos um mínimo de horas para que todas aquelas funções sejam realizadas. De forma geral, a média é de 7 a 8 horas por noite, mas esse número pode sofrer pequenas variações para mais ou para menos conforme cada indivíduo.

De qualquer forma, a psicóloga reforça que não adianta dormir as horas necessárias se não houver qualidade. “Sono muito agitado, com muita movimentação, presença de distúrbio de sono mais específico ou questões respiratórias, por exemplo, são alguns fatores que influenciam na qualidade do sono”.

Assim, ela explica que a privação do sono relaciona-se tanto com a pouca duração, quanto com a falta de qualidade. Entre as consequências disso, estão: desregulação dos níveis de alguns hormônios, dificuldade de recuperação celular e impactos na modulação do humor (mais irritação, ansiedade, sintomas depressivos e impulsividade).

Além disso, durante a privação de sono, a agilidade mental fica comprometida e, assim, há uma lentificação dos processos cognitivos. “Essas habilidades moduladas enquanto dormimos, e que sofrem interferência de noites de sono ruins, são importantes não só para o trabalho mas para a vida de maneira geral”, lembra.

Tratando a raiz do problema

Muito da propagação da ideia do “trabalhe enquanto eles dormem” surgiu dessa necessidade de estar sempre atento, alerta e conectado. Mas isso fez com que as pessoas desenvolvessem uma enorme dificuldade de relaxar. 

A maioria dos pacientes de Camila sofre com isso. A neuropsicóloga percebe, sobretudo, que eles chegam em um momento no qual não conseguem mais educar o corpo e o cérebro para diminuir a atividade e, assim, induzir o relaxamento na hora de dormir. Ao contrário: essas pessoas ficam em um estado hiperalerta, tendo a insônia como consequência.

Para o tratamento, existem medicamentos usados somente em algumas situações e recomendados a curto prazo. A intervenção padrão-ouro, segundo a psicóloga, é a terapia cognitiva comportamental associada ao tratamento da insônia. Isto é, uma abordagem específica trabalhada na terapia com um profissional especializado que busca mudar as crenças do paciente em relação ao sono e ajustar os comportamentos e hábitos para melhorar o repouso – aqui entra, por exemplo, a higiene do sono.

“A grande dificuldade das pessoas hoje é se desconectar. Porque se desconectar envolve fazer uma escolha que, muitas vezes, parece causar uma perda. Então, mudar essa mentalidade é algo fundamental. Entender que quando você escolhe se desconectar, desenvolver uma rotina voltada para noite, que priorize o sono, que vá parando seu corpo e sua cabeça é um presente que você se dá e não uma perda”, defende.

Fonte: Camila De Masi Teixeira (CRP 06/94613), psicóloga, mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); especialista em Neuropsicologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; especialista em Terapia Cognitiva Comportamental aplicada aos Distúrbios do Sono pela UNIFESP; Psicóloga do Sono certificada pela Associação Brasileira do Sono (ABS)

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