Papinhas infantis: pesquisa identifica resíduos de pesticidas nos alimentos
Um estudo de cientistas do Brasil e da Espanha rastreou a presença de agrotóxicos em papinhas infantis. A análise identificou 21 tipos, incluindo fungicidas, inseticidas e herbicidas, além de quatro toxinas produzidas por fungos do gênero Aspergillus (aflatoxinas) em 50 amostras de alimentos industrializados para bebês comercializados em supermercados no Estado de São Paulo.
“Encontramos resíduos de pesticidas em 68% das amostras de alimentos infantis. No recorte por composição e sabor, 47% das papinhas com frutas tinham pelo menos um resíduo de agrotóxico, índice que foi de 85% para as comidas de bebês à base de carne e vegetais”, descreve Rafaela Prata, engenheira de alimentos que conduziu a pesquisa. O estudo teve apoio da FAPESP e divulgação na revista Food Control
No entanto, a boa notícia é que os pesquisadores não encontraram nas amostras as temidas aflatoxinas, que são tóxicas ao organismo humano e de animais. Elas podem surgir em cereais, grãos e outros cultivos.
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Papinhas infantis: limites de resíduos
As concentrações dos agrotóxicos que a pesquisa apontou estão abaixo dos limites máximos de resíduos segundo a legislação europeia desde 2006, principal referência no estudo. De modo geral, na União Europeia, o limite é de 10 microgramas por quilo de alimento para diferentes agrotóxicos.
Limites ainda mais baixos foram determinados para agrotóxicos específicos, como fipronil (4 microgramas por quilo). “Não existe, no Brasil, uma legislação própria para limitar a concentração de resíduos de agrotóxicos em alimentos infantis”, diz Prata. “O que existe são monografias sobre agrotóxicos no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Anvisa], que consultamos para ver em quais cultivos o uso de determinado produto é autorizado, bem como os limites máximos em alimentos, mas nada sobre as papinhas”, diz Prata.
Para a pesquisadora, falta uma regulamentação específica para esses produtos. “Os bebês são um grupo populacional sensível e vulnerável, porque ingerem mais alimentos por quilograma de peso corporal do que os adultos. Seus sistemas de desintoxicação e vias metabólicas não estão totalmente desenvolvidos. É importante conhecer a composição dos alimentos que eles consomem”, justifica a pesquisadora.
“Ainda que estejam dentro dos limites preconizados pela legislação europeia, o ideal é que essas substâncias não estejam em alimentos infantis”, afirma o pesquisador espanhol Roberto Romero-González.
Faltam estudos
A presença de pesticidas e de toxinas produzidas por fungos em alimentos infantis ainda é pouco estudada no Brasil, embora avance em países europeus. “Somos um dos maiores consumidores dessas substâncias do mundo. Precisamos investir nesse tipo de pesquisa”, defende Prata. “Até onde sabemos, foi a primeira análise feita com uma metodologia desenvolvida para identificar pesticidas de classes diferentes e micotoxinas em alimentos infantis à base de carnes e vegetais.”
Anteriormente, o país dispunha apenas de dados sobre a contaminação por agrotóxicos em papinhas feitas com frutas. Logo depois dessa análise, o grupo submeteu as mesmas amostras a uma nova triagem para rastrear a presença de 2.424 contaminantes não abordados a princípio. Por exemplo, outros pesticidas, hormônios, medicamentos veterinários, entre outros.
“Encontramos mais dez agrotóxicos e um metabólito, demonstrando que o método que desenvolvemos é sensível e eficaz”, diz Prata. Ela se refere ao processo de inovação, com uso de novos materiais para identificar as substâncias. “Nós conseguimos desenvolver um método analítico multirresíduos confiável e validá-lo totalmente. Pode ser uma ferramenta útil para programas de vigilância de alimentos”, afirma.
Outros achados do estudo sobre papinhas infantis
Ainda de acordo com a pesquisadora, o metabólito sulfóxido de aldicarbe foi encontrado em três sabores de papinhas: caldo de feijão, arroz e carne; legumes e carne; e abóbora, feijão preto e peito de frango. O teste não mediu a quantidade de resíduos.
O aldicarbe é um pesticida proibido no Brasil desde 2012. Por sua alta toxicidade, era, então, usado ilegalmente como raticida (o popular “chumbinho”). De acordo com o toxicologista Daniel Junqueira Dorta, professor de química forense na USP de Ribeirão Preto, trata-se de pesticida que se degrada rapidamente no solo, em cerca de duas ou três semanas. A presença de resíduos no alimento sugere, portanto, o uso irregular nas lavouras. Da mesma forma, o composto se degrada rapidamente no organismo e é eliminado.
“O efeito pior do aldicarbe é agudo, por concentração mais alta”, diz o toxicologista. “De todo modo, não deveria haver resíduo desse tipo de jeito nenhum”, afirma. Para a professora Helenice de Souza Spinosa, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, que analisou a toxicidade do composto em cães e gatos, a descoberta é relevante e precisa de maiores estudos e investigações. “Se você pensar que a criança vai se alimentar com pequena quantidade e nesse estudo nem está quantificado, ou seja, podem ser apenas traços, isso não vai causar intoxicação aguda. Mas o achado é importante: embora proibido, pode ser que estejam usando e não sabemos”, diz Spinosa.
Fonte: Agência FAPESP.