Padrões de comportamento: por que algumas pessoas aceitam relacionamentos tóxicos?
Suponha que você aprendeu uma rota para ir da sua casa ao trabalho. Você faz o mesmo caminho todos os dias. Sabe a hora que deve sair e quanto tempo leva até chegar ao destino. Também sabe quais lojas, estabelecimentos e quantos semáforos existem no percurso. Você também já percebeu que a rua é bastante esburacada e a poluição sonora não te agrada muito. Algumas pessoas já te indicaram uma rota alternativa, mas só de pensar no esforço requerido para aprender esse novo caminho, já desiste e segue no seu trajeto de sempre. O conceito do “conforto do conhecido”, como classifica a psicóloga Céres Albé, adequa-se a muito mais do que um simples caminho até o trabalho. Os padrões de comportamento, sejam eles funcionais ou não, são companheiros de vida— o desafio é saber o momento de deixá-los ir.
Os padrões de comportamento são procedimentos que aprendemos em algum momento da vida, sobretudo durante o nosso desenvolvimento, e que tendemos a repeti-los sem muitos questionamentos e ponderações. Céres é psicóloga pós-graduanda em terapia cognitivo-comportamental. Esse tipo de abordagem tem como pressuposto três bases: pensamentos, emoções ou sentimentos e comportamentos.
“Esses três conceitos estão muito interligados. Então, a forma como a gente pensa está bem vinculada com a forma como a gente se sente e, consequentemente, com a forma como a gente se comporta”, explica.
Além disso, a psicóloga ainda aponta um quarto fator decisivo na maneira como essa “engrenagem” funciona: a interpretação. “Eu costumo comparar esse processo à lente de um óculos de grau. Cada pessoa tem a sua lente e enxerga o mundo e as situações da vida através dessa lente. Na terapia, a gente vai entender um pouco sobre como ela é formada.”
Padrões de comportamento não funcionais
Alguns valores e hábitos aprendidos durante o nosso desenvolvimento, por exemplo, têm impactos positivos e colaboram para uma vida mais saudável e leve. Entretanto, existem alguns padrões de comportamento que não são funcionais, ou seja, não são benéficos, mas são perpetuados da mesma forma.
Isso acontece porque a partir do momento que somos ensinados a agir de determinada maneira e incorporamos o ato como parte de quem somos, é muito desafiador conseguir questionar e se abrir a outras possibilidades. “Por mais que sejam comportamentos disfuncionais, foi a forma que a gente aprendeu e, por isso, é a forma como a gente vai interpretando as questões ao nosso redor”, diz.
Isso explica porque continuamos a optar pelo caminho esburacado e barulhento, mesmo não gostando dele. “Essa transformação exige um esforço maior do nosso cérebro. Para mudarmos esse padrão, ele precisa fazer mais conexões neurais. Então, é preciso um maior movimento, mais exercício e energia para que aconteça essa mudança.”
Relacionamentos tóxicos
Manter-se ou voltar para um relacionamento tóxico é um exemplo bastante comum de um padrão de comportamento disfuncional. Céres entende por relacionamento tóxico aquele que traz riscos e causa impactos negativos na saúde mental. Ele pode acontecer a partir das atitudes de uma única pessoa, ou então de ambas da relação. A profissional explica que a forma com a qual nos relacionamos quando pequenos e os vínculos com os quais temos contato refletem parcialmente no modo como nos relacionamos no futuro.
“Se no relacionamento familiar (ou, principalmente, com os cuidadores primários) a pessoa não teve algumas necessidades básicas atendidas ou as emoções não foram muito reconhecidas e validadas, em um relacionamento adulto é ‘tranquilo’ ela estar em uma posição em que as necessidades dela não são muito atendidas”, exemplifica.
Tais relações trazem uma ambiguidade, já que ao mesmo tempo que causam emoções desagradáveis, também representam um certo conforto, pois são ambientes conhecidos por aquele indivíduo. Além disso, justamente por ser comum, é custoso reconhecer a sua toxicidade. “É difícil perceber porque, muitas vezes, é a única forma de relacionamento que essa pessoa já vivenciou”, conta.
No que você acredita?
Nesse momento, entra um quinto elemento que dialoga com os pensamentos, sentimentos, comportamentos e interpretações de alguém: as crenças. Existem algumas ideias que cultivamos sobre nós mesmos, geralmente incorporadas durante nosso desenvolvimento e reforçadas com o passar do tempo.
“Algumas pessoas acreditam que elas são incapazes de serem amadas, e isso pode pode fazer com que elas coloquem condições no amor, como: ‘Eu só vou ser amada, se eu agradar de qualquer forma esta pessoa que está comigo’. A partir disso, ela se submete a algumas coisas que não são saudáveis”, esclarece Céres.
A terapia cognitivo-comportamental busca identificar tais crenças junto ao paciente e reestruturá-las de uma maneira mais funcional e saudável.
“Cada um tem o seu processo e a forma de lidar com ele, mas a terapia auxilia no sentido de buscar entender essa lente e por que continuamos com esses padrões”, defende a especialista.
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Acolhimento e escuta
Em muitos casos de relacionamentos tóxicos, as pessoas que estão vivenciando essa situação são as últimas a perceberem. Amigos e familiares costumam identificar com mais facilidade ao observarem a dinâmica da relação. Mas como comunicar isso para quem se ama sem afastá-lo?
“Essa é uma das situações mais desafiadoras. A pessoa que está sendo abusiva pode trazer a ideia de que somente ela faz bem. Isso faz com que a outra se afaste de amigos e familiares”, afirma.
Dessa forma, Céres diz que o acolhimento e a escuta são as estratégias mais eficazes para auxiliar alguém em um relacionamento tóxico. “É um meio termo entre eu me fazer presente, me colocar como um acolhedor nos momentos que ela precisa, mas também cuidar para que a pessoa não se afaste cada vez mais.”
Quebrando os padrões de comportamento
Aprender a deixar alguns ciclos viciosos de lado é um processo difícil, mas necessário. Realizar escolhas conscientes e entender o próprio valor para, assim, saber quais situações podem ser aceitas ou não e o momento de se abrir para o novo é essencial para construir uma vida ponderada.
Segundo Céres, a terapia é um facilitador. Por meio dela, é possível se autoconhecer e questionar as próprias crenças e os comportamentos. Assim, identificar os padrões disfuncionais que carrega é o primeiro passo rumo ao desvencilhamento deles. No final, você decide se vai continuar a seguir o mesmo caminho para o trabalho ou se vale experimentar uma nova rota.
Fonte: Céres Albé, psicóloga pós-graduanda em terapia cognitivo-comportamental; CRP 07/34937