Novo projeto ajudará diagnóstico de doenças genéticas no Brasil
Uma boa notícia para o avanço do estudo das doenças genéticas no Brasil. Um banco de dados genômicos de idosos de São Paulo permitirá identificar mutações responsáveis por doenças genéticas na população brasileira. De acordo com os pesquisadores, também será útil para mapear mutações determinantes para o envelhecimento saudável. A plataforma foi desenvolvida por pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.
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Os dados individuais já estão disponíveis para a comunidade científica. Basta solicitar o download para ter acesso aos agregados que começaram a ser disponibilizados nos últimos anos no Arquivo Brasileiro On-line de Mutações (ABraOM).
“Desde a disponibilização dos dados foram registrados diversos acessos de pesquisadores do Brasil e do exterior ao repositório. Isso demonstra a importância dessa iniciativa para a comunidade científica”, diz Mayana Zatz, professora do IB-USP e coordenadora do CEGH-CEL, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID).
O banco é resultado de um estudo pioneiro de sequenciamento de 1.171 genomas completos de idosos brasileiros, representando a maior coorte de genomas de idosos da América Latina.
Denominada inicialmente “Projeto 80mais”, a pesquisa começou em 2008 com o objetivo de caracterizar o genoma de idosos saudáveis. Posteriormente, a partir da coleta, foi possível criar o atual banco de genes.
Critérios de seleção para o projeto
A princípio, os idosos foram escolhidos por terem passado da idade de início de manifestação de diversos males que surgem na velhice, como o Alzheimer e Parkinson, além de outras doenças genéticas. Com média de idade de 71 anos e não aparentados, a seleção foi feita pela Faculdade de Saúde Pública da USP no âmbito do Projeto Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (Sabe).
Coordenado pelas professoras Maria Lúcia Lebrão e Yeda Duarte, o Sabe traça o perfil das condições de vida e saúde de idosos que residem em São Paulo, centros urbanos da América Latina e do Caribe. As informações são coletadas a partir de entrevistas domiciliares, avaliações e exames médicos. “O estudo é representativo da população idosa de São Paulo porque é baseado no censo do município paulista e inclui pessoas de todos os níveis socioeconômicos”, avalia Zatz.
Mapeamento que favorece estudo de doenças genéticas tem perfil diverso
Segundo Zatz, o fato dos participantes morarem em São Paulo permitiu a representatividade genética da população brasileira, que é altamente diversa. “São Paulo é a cidade mais miscigenada do Brasil, porque reúne descendentes de imigrantes de diferentes continentes, além de pessoas nascidas em outros Estados e países”, avalia.
Portanto, essa ampla diversidade genética permitirá preencher uma lacuna importante de dados. Até então existia um raro mapeamento de populações muito miscigenadas nos bancos internacionais, que se baseiam na população europeia. Os pesquisadores identificaram, cerca de 2 milhões de variantes genéticas nos idosos paulistas, que não estavam descritas nesses bancos genômicos internacionais.
“Isso está relacionado com o fato de os bancos genômicos internacionais retratarem mais o genoma de referência europeu. É possível que esse número de 2 milhões de novas variantes genéticas que encontramos diminua à medida que esses repositórios incluam populações pouco representadas, como a brasileira”, estima Michel Naslavsky, professor do IB-USP e primeiro autor do estudo.
Diversidade ajudará em testes mais assertivos
Segundo os pesquisadores, o acréscimo de novos dados nos bancos genômicos internacionais permitirá aprimorar a acurácia de testes genéticos para populações altamente miscigenadas.
Além disso, análises feitas nos genomas dos idosos brasileiros revelaram que eles carregam variantes genéticas classificadas nos bancos genômicos europeus, como patogênicas. No entanto, eles não manifestam as doenças relacionadas a essas mutações.
De acordo com Naslavsky, “uma das hipóteses que estamos levantando para isso é a de que variantes genéticas até então classificadas como patogênicas podem se expressar de modo diferente de acordo com o background genético do indivíduo, como o europeu ou o miscigenado”.
Genes brasileiros podem ajudar a prever doenças genéticas
Outra descoberta é que os idosos brasileiros possuem variantes associadas a doenças recessivas comuns tanto em europeus como em africanos, como a fibrose cística. Em síntese, a frequência de pessoas heterozigotas – portadoras de uma variante recessiva – permite estimar a incidência dessas doenças na população.
“No caso da população brasileira, estimamos que a incidência de fibrose cística é de um caso a cada 10 mil nascimentos. Isso é importante para programas públicos de aconselhamento genético a casais em idade reprodutiva sobre os riscos de terem filhos com doenças genéticas graves”, avalia Zatz.
Assim também foram identificadas novas variantes de genes do sistema imunológico (HLA), que codificam proteínas importantes na resposta imune ao permitir o reconhecimento de patógenos. De acordo com os pesquisadores, esses genes são os mais variáveis e diversos, o que os tornam difíceis de serem analisados.
Por meio da aplicação de uma técnica especializada, foram encontradas mais de 140 combinações nunca descritas. Por fim, essas combinações servirão para estudos sobre suscetibilidade ou resistência a infecções diversas, incluindo o SARS-CoV-2.
Fonte: Agência Eisten.