O que a paixão causa no cérebro?
Quando Pixinguinha (1897-1973) escreveu, junto de João de Barro, em meados de 1917, os versos: “Meu coração, não sei por quê bate feliz quando te vê, e os meus olhos ficam sorrindo, e pelas ruas vão te seguindo”, da música Carinhoso — que viria a se tornar uma das canções mais importantes da música popular brasileira —, ele transformava em arte um dos sentimentos mais intensos e envolventes da humanidade: a paixão. O coração acelerado, os olhos que “sorriem” e a constante busca pelo outro não se tratam de uma licença poética do compositor. Os sinais físicos e as mudanças de pensamento acontecem de fato e, apesar de serem provocados por uma emoção considerada universal, não são compreendidos por todos como efeitos do que a paixão causa no cérebro.
Quando uma pessoa está apaixonada, ela passa a agir de maneira diferente, e isso não acontece de forma voluntária. É importante entender que as emoções influenciam no funcionamento do cérebro — e com a paixão, não é diferente. A psicóloga e pós-graduanda em Neurociências e Comportamento Aline Quintino explica que diversos hormônios são liberados em maiores quantidades quando tal sentimento surge.
O que a paixão causa no cérebro?
Acima de tudo, ela aponta o crescimento dos níveis de ocitocina, conhecido como o hormônio do amor, e de vasopressina. “A maior liberação destes hormônios proporciona a sensação de apego e conexão tão conhecidos durante a paixão, onde o nosso foco e atenção estão mais direcionados à pessoa amada, trazendo a sensação de que ela é única e insubstituível”, diz.
A dopamina, por sua vez, é responsável pela sensação de prazer, muitas vezes associada ao sistema de recompensa. “Sabe aquela sensação boa que você tem quando está com fome, mas está prestes a devorar uma pizza saborosa? Pois é, este é o efeito da dopamina”, exemplifica Aline. Durante a paixão, a dopamina também é bastante estimulada. Por isso, nesse período, as pessoas costumam sentir-se mais enérgicas e dispostas, além de experienciarem mais prazer nas atividades do dia a dia.
O outro lado da paixão
A profissional também esclarece os motivos pelos quais uma pessoa apaixonada pode adotar comportamentos desmedidos. De acordo com ela, o neurotransmissor seratonina, relacionado à sensação de bem-estar, sofre uma diminuição significativa em determinados pontos do cérebro quando se está longe da pessoa amada.
“Identificamos essa mesma alteração no Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Por isso, durante a paixão, vemos o comportamento obsessivo, como fixação e pensar na pessoa amada a todo momento. Além disso, também percebemos o comportamento compulsivo, como ficar vendo fotos e querer estar junto a todo momento”, afirma.
No entanto, vale ressaltar que pessoas apaixonadas não tem TOC, mas sim apenas alguns comportamentos similares, já que o transtorno é mais complexo e tem mais critérios a serem atendidos.
Já o cortisol é produzido e liberado em maiores quantidades quando o corpo percebe uma situação preocupante. Por isso, as pessoas o conhecem como o hormônio do estresse. Apesar de não parecer lógico, uma vez que a paixão está fortemente ligada à sensação de bem-estar, a emoção eleva a produção do cortisol. Isso porque a sensação de ansiedade, euforia e insegurança também fazem parte do processo de apaixonar-se. “Este é o hormônio responsável pelo coração batendo mais forte e rápido e pela sensação de ‘borboletas’ no estômago”, completa a psicóloga.
Mais emoção, menos razão
Além disso, é comum perceber atitudes menos racionais em pessoas que estão apaixonadas. No senso-comum, elas passam a agir mais pela emoção do que pela razão. Mas isso também tem uma explicação científica que está relacionada, sobretudo, ao lobo pré-frontal. Essa parte do cérebro é responsável por permitir que se tenha pensamento crítico, ponderação, controle de impulsos e, consequentemente, racionalização.
Entretanto, a paixão faz com que a função dessa região cerebral seja, em partes, inibida. “Com essa área sendo inibida, temos o que os cientistas chamam de ‘demência temporária’. É a explicação da famosa expressão ‘cego de amor’, por isso, não é raro ver alguém que tomou uma decisão precipitada durante a paixão, e depois se arrependeu”, explica.
Quanto tempo dura?
Em 2013, o Siemens Festival Nights realizou uma pesquisa envolvendo 2 mil participantes. Nela, descobriu-se que as pessoas costumam se apaixonar duas vezes durante a vida. De acordo com Aline, a paixão é uma emoção que caracteriza-se pela curta duração e pela alta intensidade das sensações — diferentemente do amor.
“Os estudos indicam que as alterações cerebrais que ocorrem na paixão têm duração média de 12 a 24 meses, variando para menos ou mais”, completa.
O que a paixão causa no cérebro? Como saber se é amor
Não existe uma fórmula que seja capaz de identificar quando uma paixão se tornou amor — mas é possível afirmar que as sensações são diferentes e, dessa forma, causam implicações distintas no indivíduo.
Enquanto a paixão, que pode ser considerada a primeira fase do amor, têm o poder de ocasionar sintomas típicos da ansiedade, como transpiração excessiva, desconforto gastrointestinal, insônia, dor no peito e falta de apetite, o amor companheiro, que caracteriza-se pela segunda fase do amor, traz de volta a sensação de normalidade. “No amor companheiro, todas as alterações retornam ao seu funcionamento ‘normal’, exceto pela ocitocina, que se mantém em níveis maiores, e pela diminuição do cortisol”, conta.
Justamente por isso, o amor é considerado um sentimento mais duradouro, ao passo que a paixão é mais fugaz.
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É possível controlar o que a paixão causa no cérebro?
Se pudessem escolher, algumas pessoas prefeririam não ter que lidar com todos esses sinais causados pela paixão. Entretanto, é preciso aprender a lidar com ela, já que evitá-la ou controlá-la não são práticas possíveis.
“Não podemos controlar as nossas emoções, podemos controlar o que decidimos fazer com essas emoções. Sabendo de todo o mecanismo cerebral que nos torna mais vulneráveis durante a paixão, podemos buscar ter percepções e atitudes mais conscientes e racionais”, destaca Aline.
Além disso, a psicóloga ressalta a importância de se manter cercado de pessoas de confiança e, se necessário, ter acompanhamento terapêutico. Procurar curar feridas do passado, estar consciente daquilo que sente e entender quais são os desejos para um relacionamento futuro são pilares fundamentais para não se envolver (e se apaixonar) de forma descriteriosa e ingênua.
Entretanto, também vale ter em mente que não dá para evitar as emoções desagradáveis durante a paixão — parafraseando a escritora Carla Madeira em Tudo é Rio: “o lugar que dói é o mesmo que sente arrepios. É no corpo, no amor e na liberdade de escolher as coisas que a gente fica inteiro ou despedaçado.”
A dor da paixão
Aline não classifica as emoções como ruins, mas aversivas. De acordo com ela, sensações aversivas podem aparecer, sim, durante a paixão e principalmente quando se trata de uma rejeição. “Quando não há correspondência, a tristeza e a raiva podem prevalecer. Os circuitos cerebrais que são ativados quando sentimos dor (exemplo: bater o cotovelo), também são ativados quando passamos por uma experiência de rejeição. Ou seja, a dor de um coração partido realmente dói fisicamente”, esclarece.
Além disso, mesmo quando existe, de fato, uma relação amorosa, na qual as duas pessoas estão apaixonadas e se comprometem com aquele vínculo, o sofrimento pode ser um dos efeitos que a paixão causa no cérebro.
“O medo de perder a pessoa amada, o medo de sofrer uma desilusão, o medo de ser enganado, especialmente quando há um histórico de sofrimento em relacionamentos anteriores. A experiência da pessoa apaixonada pode ser tão intensa e prazerosa, que consequentemente gera o medo de perder tudo isso um dia”, finaliza.
Fonte: Aline Quintino, psicóloga e pós-graduanda em Neurociências e Comportamento.