Ingestão diária de mercúrio presente em peixes excede os limites seguros
Um novo estudo realizado nos principais centros urbanos da Amazônia, abrangendo seis estados e 17 municípios, revela que os peixes da região estão contaminados por mercúrio. Os resultados mostram que a ingestão diária de peixes em todos os seis estados amazônicos traz consequências graves para a saúde, já que os níveis de mercúrio estão acima do limite aceitável. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a recomendação é que o valor seja menor ou igual a 0,5 µg/g.
Assim, os piores índices estão em Roraima, com 40% de peixes com mercúrio acima do limite recomendado, e Acre, com 35,9%. Já os menores indicadores estão no Pará, com 15,8%, e no Amapá, com 11,4%. Na média, 21,3% dos peixes comercializados nas localidades e que chegam à mesa das famílias na região Amazônica têm níveis de mercúrio acima dos limites seguros.
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Ingestão diária de mercúrio em Roraima é preocupante
Em todas as camadas populacionais analisadas, a ingestão diária de mercúrio excedeu a dose de referência recomendada. No município mais crítico, de Rio Branco (AC), a potencial ingestão de mercúrio ultrapassou de 6,9 a 31,5 vezes a dose recomendada, que é de 0,1 μg/kg pc/dia. As mulheres em idade fértil – público mais vulnerável aos efeitos do mercúrio – estariam ingerindo até nove vezes mais mercúrio do que a dose preconizada; enquanto crianças de 2 a 4 anos até 31 vezes mais do que o aconselhado.
Em Roraima, segundo estado mais crítico, a potencial ingestão de mercúrio extrapolou de 5,9 a 27,2 vezes a dose de referência. Considerando os estratos populacionais mais vulneráveis à contaminação, mulheres em idade fértil estariam ingerindo até 8 vezes mais mercúrio do que a dose indicada. Além disso, crianças de 2 a 4 anos consomem até 27 vezes mais do que o recomendado.
Detalhes sobre o estudo
O levantamento buscou avaliar o risco à saúde humana em função do consumo de peixes contaminados. Para isso, visitou mercados e feiras em 17 cidades amazônicas onde foram compradas as amostras utilizadas nesta pesquisa.
“Este é o primeiro estudo que avalia os principais centros urbanos amazônicos espalhados em seis estados. Ele reforça um alerta para um assunto já conhecido, mas não resolvido: o risco à segurança alimentar na região amazônica gerado pelo uso de mercúrio na atividade garimpeira. É preocupante que a principal fonte de proteína do território, se ingerida sem controle, provoque danos à saúde por estar contaminada”, ressalta Decio Yokota, coordenador do Programa de Gestão da Informação do Iepé.
“Estamos diante de um problema de saúde pública. Sabemos que a contaminação é mais grave para as mulheres grávidas. Isso porque o feto pode sofrer distúrbios neurológicos, danos aos rins e ao sistema cardiovascular. Já as crianças podem apresentar dificuldades motoras e cognitivas, incluindo problemas na fala e no processo de aprendizagem. De forma geral, os efeitos são perigosos, muitas vezes irreversíveis, os sintomas podem aparecer após meses ou anos seguidos de exposição. É urgente a criação de políticas públicas para atender as pessoas já afetadas pela contaminação por mercúrio e medidas preventivas, de controle de uso”, alerta Paulo Basta, pesquisador da Ensp/Fiocruz.
Tipos de peixes
O levantamento foi realizado de março de 2021 a setembro de 2022 nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. Assim, eles avaliaram 1.010 exemplares de peixes, de 80 espécies distintas, comprados em mercados, feiras e diretamente de pescadores, simulando o dia a dia dos consumidores locais.
Do total geral da amostra, 110 eram peixes herbívoros, 130 detritívoros, 286 onívoros e 484 carnívoros. Os carnívoros, mais apreciados pelos consumidores finais, apresentaram níveis de contaminação maiores que as espécies não-carnívoras. A análise comparativa entre espécies indicou que a contaminação é 14 vezes maior nos peixes carnívoros, quando comparados aos não carnívoros. Por isso, o estudo faz uma indicação de consumo para as principais espécies de peixes amostradas, considerando o nível de contaminação e a localidade.
A principal recomendação que os pesquisadores fazem é ter maior controle do território amazônico. Além disso, erradicar os garimpos ilegais e outras fontes emissoras de mercúrio para o ambiente. “Além da degradação ambiental, os garimpos ilegais trazem um rastro de destruição que inclui tráfico de drogas, armas e animais silvestres, além da exploração sexual. Por isso, o Estado precisa garantir maior controle e segurança para as populações locais. No entanto, outras ações como a fiscalização do desmatamento e queimadas também reduzem a exposição ao mercúrio, uma vez que impactam na dinâmica dos solos e dos rios e igarapés”, afirma Marcelo Oliveira, especialista em conservação do WWF-Brasil.
Fonte: Fiocruz.