Coracy fala sobre as dores e as delícias da terceira idade e como reaprendeu a ser feliz
Durante alguns anos, Coracy viu a sua vontade de viver se esvair — assim como o seu apetite e o seu peso. Ela cuidou de seu marido doente por seis anos e, após a morte dele, em 2013, continuou convivendo com a depressão. No Brasil, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pessoas entre 60 e 64 anos são as mais afetadas pela doença. Além disso, a taxa de suicídio entre idosos no país cresceu 9% durante a pandemia. O papel dos familiares e amigos é crucial para reverter o quadro e evitar uma atitude extrema e irreversível. Coracy encontrou apoio nos parentes mais próximos, mas também em pessoas que jamais imaginou poder contar. Hoje, aos 79 anos, a goiana compartilha com mais de 115 mil seguidores as dores e as delícias da terceira idade.
“Eu acho maravilhosa a minha vida”, diz. O sentimento de alegria que transborda em forma de brilho nos olhos, bem como a forma com a qual Coracy demonstra estar satisfeita com a vida, tornam difícil imaginar uma realidade na qual ela não se sentia assim.
De acordo com a psicóloga mestre em Gerontologia e especialista em Neuroreabilitação Tais Rezende, a saúde mental dos idosos é uma pauta urgente — afinal, corpo e mente estão interligados.
“Cuidar da saúde mental, além de prevenir doenças psiquiátricas como a depressão e até mesmo o suicídio, ajuda a evitar outras doenças crônicas. Cuidando da saúde mental, esse idoso vai se sentir mais disposto, vai sentir mais vontade de socializar, de fazer novas coisas e, assim, vai ter mais qualidade de vida”, destaca.
As dores da terceira idade
Coracy lembra do período em que teve de cuidar do seu marido e enfrentar a depressão como uma fase bastante difícil. Na época, a falta de vontade de comer resultou na perda de vários quilos. Além disso, a doença fez com que o desejo de interagir com as próprias filhas se dissipasse.
“As minhas filhas vinham quase todos os dias, ficavam comigo, mas eu não tinha vontade de conversar. Quando a gente tá com depressão, a gente não tem vontade de fazer nada. Então, eu ficava quieta, sem falar”, recorda.
Tais explica que é comum os idosos experienciarem uma série de perdas, seja de pessoas, de ambientes, financeiras ou de autonomia. Assim, existem diversos sentimentos novos que eles precisam aprender a lidar. No consultório, a psicóloga percebe três queixas principais: sintomas depressivos, dificuldade de memória e solidão. Entretanto, enfrentar tais sensações sozinho pode ser o maior dos desafios. Por isso, a profissional reforça a necessidade de uma rede de apoio que se faça presente.
Reaprendendo a ser feliz
“Incentivar a desenvolver novos hobbies, ter tempo de qualidade com o idoso, se preocupar em visitá-lo (não apenas fazer ligações ou mandar mensagens) incentivar essa pessoa a ter hábitos saudáveis, por exemplo, fazer exercícios físicos, ter contato com a natureza, cuidar do sono, da alimentação, tudo isso é muito importante para ajudar a manter o idoso ativo”, esclarece a profissional.
Para Coracy, as duas filhas e os três netos foram muito importantes em seu processo de recuperação, mas tudo, de fato, mudou quando ela encontrou um novo propósito.
“Eu vi uma pessoa, que hoje é minha amiga, na TV, e daí contei para o meu neto e ele perguntou se eu queria fazer. Eu falei ‘Gabriel, acho que vai ser um pouco difícil, né?’. Porque eu estava doente, com depressão, sem ânimo. Mas ele falou ‘Vamos fazer, vamos comprar um celular e vamos fazer’”, conta.
Um novo propósito
E foi assim, no final de 2018, que Coracy criou o perfil @blogdacora no Instagram e começou a fazer vídeos com a ajuda de seu neto que, hoje, é o seu produtor. Ela disse que, desde o início, se divertiu muito produzindo os conteúdos, mas nem sonhava em impactar tantas pessoas. “Era tudo muito engraçado, mas com dois meses eu já estava com mil seguidores e eu não acreditei, achei muita coisa pra dois meses. Aí, em uns três, quatro meses, já estava com cinco mil. Depois, a TV da minha cidade me descobriu, veio na minha casa e fez a entrevista. Daí foi só subindo. Eu fiquei muito feliz, não imaginava que ia acontecer isso”, diz.
No caso de Coracy, à medida que ela se via mais imersa nesse mundo das redes sociais, a depressão perdia espaço na sua vida. Entretanto, a intervenção e o acompanhamento médico se fazem necessários em muitos casos. “É importante incentivar esse idoso a procurar acompanhamento médico e psicológico quando se percebe que há ali algum tipo de alteração, ou até mesmo como forma de prevenção”, reforça Tais.
O apoio
A psicóloga defende o apoio e o acolhimento dos familiares e amigos como uma das principais ferramentas para garantir qualidade de vida e saúde mental na terceira idade. Porém, esse suporte não deve acontecer de qualquer forma e a qualquer custo. Tais identifica a recorrência de alguns equívocos por parte dos cuidadores de idosos, tenham eles algum grau de parentesco ou não. De qualquer forma, a especialista faz questão de ressaltar: “Na maioria das vezes, são erros que as pessoas cometem por amor, não porque querem prejudicar o idoso.”
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Erros de quem cuida
A superproteção, isto é, poupar o idoso de tudo a fim de evitar alguma situação prejudicial e, assim, minar a independência e a autonomia desse indivíduo, é um dos principais erros. A psicóloga incentiva os cuidadores a fazerem o caminho inverso: estimulem as capacidades que ele ainda possui.
Coracy, por exemplo, confessa não sentir a idade que tem e revela adorar se maquiar, postar vídeos dançando e posar para fotos — mesmo que algumas pessoas pensem serem práticas inadequadas para alguém com a idade dela. Quanto a isso, inclusive, Cora dá pouca importância. “Para quem tem tantas pessoas que gostam, vou ligar para uma ou duas pessoas que falam que eu sou velha, que onde já se viu uma velha dessa na internet? Eu não me importo”.
Além disso, aquela história de que “idoso volta a ser como criança” não é bem assim. Tais explica que a infantilização desses indivíduos não é benéfica. Tal atitude reforça a crença de que o outro sabe sempre o que é melhor e, assim, invalida a individualidade daquele ser. Por outro lado, a negligência também é um erro de quem cuida — isto é, identificar que o idoso está em risco e não intervir para evitar conflitos, por exemplo.
Por fim, omitir informações da pessoa idosa ou mudar o tratamento medicamentoso por conta própria também são práticas que vão contra um cuidado respeitoso e acolhedor com o indivíduo.
As delícias da terceira idade
Dados de uma pesquisa de 2017 revelaram que 9 em cada 10 brasileiros têm medo de envelhecer. Em contrapartida, a influenciadora vai contra as estatísticas. Além de nunca ter experimentado angústia com o avançar da idade, Coracy aproveita os seus dias sem se preocupar com isso. “Eu nem lembro que eu tenho tantos anos, esses anos pra mim não existem. Eu me sinto bem mais jovem do que eu sou. Sabe aquela alegria de me maquiar, de sair, de fazer tudo o que eu gosto? Acho bom demais”, confessa Cora.
Algumas limitações físicas da idade são inevitáveis, mas não incomodam a goiana. Ela explica que faz acompanhamento médico e cuida da osteoporose que surgiu no joelho. “Mas estou tomando os remédios e estou bem melhor”, assegura.
Além de produzir vídeos para as redes sociais e interagir com seus seguidores, Cora passa os dias cuidando de si e aproveitando a própria companhia. “Eu gosto de tomar meu banho, passar meu creme, passar um blush, um batom de manhã. Nem que eu fique o dia inteiro em casa sozinha, eu passo meu batom, meu blush, minha sombrinha e fico dentro de casa, curtindo a vida. Eu acho maravilhoso”, diz.
Manter-se ativo
Segundo Tais, manter-se ativo, ter hábitos saudáveis e aprender novas coisas são práticas fundamentais para melhorar a qualidade de vida da pessoa idosa e até fortalecer o cérebro, prevenindo, assim, o surgimento de quadros de demência.
“Um pilar muito importante é manter-se ativo, isso não quer dizer necessariamente trabalhar, ser remunerado, mas ter alguma função social, participar da comunidade de alguma forma. Isso pode acontecer por meio de trabalho voluntário, grupos da terceira idade, trabalhos na igreja. Ter uma participação ativa na sociedade é muito importante”, revela.
Cora encontrou-se nas redes sociais, mas também não consegue abrir mão por completo da sua antiga função. “Eu trabalhava como cabeleireira. Amava e amo até hoje”, diz. Ela teve que diminuir os atendimentos quando a sua filha engravidou e precisou trabalhar fora. Nesse momento, Cora assumiu os cuidados com o bebê e fechou o salão, passando a receber as clientes em uma salinha de casa.
“Aí, depois eu fui deixando, vendi todas as minhas coisas e pronto. Mas, na verdade, eu tenho cliente até hoje que vem aqui em casa cortar cabelo”, completa.
O futuro
Metas e sonhos ainda fazem parte do vocabulário de Cora. Ela pretende continuar produzindo conteúdo para a Internet e viajar para conhecer outros países. Com relação à morte, ela não nutre sentimentos de medo ou aversão.
“Morrer todo mundo vai, temos que confiar em Deus e esquecer da morte. A morte vem a qualquer hora. A hora que Deus chamar, chamou. Então eu não penso nisso. Não tenho problema com isso de jeito nenhum”, diz.
Por fim, Cora incentiva que as pessoas façam aquilo que desejam e não esperem para correr atrás dos seus sonhos. Apesar de estar muito feliz com a vida que construiu, se pudesse voltar atrás, ela confessa que teria começado antes.
“Tem muita gente que fala que quer ser igual a mim. Fala ‘Eu quero ser igual à senhora quando eu ficar mais velha’. Não precisa esperar ficar mais velha. Começa já”, incentiva.
Fonte: Coracy Arantes, influenciadora digital, criadora do perfil @blogdacora e Tais Rezende, psicóloga mestra em gerontologia e especializada em Neuroreabilitação