Retrospectiva do sono: Como dormimos durante a pandemia?
Algo que chamou a atenção nos meus atendimentos durante a pandemia foi, sem dúvida alguma, o aumento das queixas relacionadas ao sono.
- “Meu sono não é mais como antes”
- “Tem dias que parece que não durmo”
- “O sono não vem por nada”
- “Antes não roncava e agora até acordo com meu próprio ronco”
- “Meu parceiro começou a roncar e não me deixa dormir”
- “Ando trocando o dia pela noite”
Essas são algumas das queixas que mais ouço no consultório. Mas, tenho certeza de que muitos de vocês já se identificaram com algumas delas, não é mesmo?
Sem dúvida, o aumento de apneicos, roncadores e de insones é o grande destaque no que tange a piora da qualidade do sono da população durante a pandemia. E é sobre isso que vamos conversar.
Como dormimos durante a pandemia? Principais desafios
As alterações psicológicas – como estresse, medo e ansiedade, o aumento das horas de exposição às telas e alterações nos sinalizadores do nosso relógio biológico – como a quebra da rotina e redução a exposição à luz solar, por exemplo – aparecem como os principais responsáveis pelo aumento no número de quadros de insônia.
Já o ganho de peso, de forma isolada, aparece como o grande vilão do aumento da incidência das queixas relacionadas ao ronco e à apneia obstrutiva do sono (AOS) durante a pandemia de COVID-19.
Segundo um estudo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP com mais de 14 mil adultos, 20% dos brasileiros ganharam pelo menos 2 quilos nesse período de pandemia.
Já uma pesquisa divulgada recentemente pelo Instituto do Sono revelou que a dificuldade de dormir afeta 66,8% dos brasileiros na pandemia. E que 59,4% das pessoas acordam mais vezes durante a noite.
O que é insônia
Mas, você sabia que a “dificuldade de dormir” de forma isolada e não recorrente não é considerada insônia?
A insônia é um distúrbio persistente que se caracteriza pela diminuição da capacidade de uma pessoa adormecer. Ou, ainda, de permanecer dormindo durante toda a noite. Para o diagnóstico do distúrbio, geralmente, consideramos que a pessoa precisa ter três noites por semana com dificuldade para dormir, por pelo menos três meses, mesmo com condições propícias para o sono.
Já o ronco, além de ser um vilão em diversos relacionamentos, é também o principal sintoma relacionado a um distúrbio muito prevalente na população, que é a apneia obstrutiva do sono (AOS).
Um estudo de prevalência de AOS derivado do EPISONO e publicado na revista Sleep Medicine em maio de 2010 mostrou que 32,9% da população em São Paulo tem AOS. Após a publicação desse artigo, pesquisadores de outros países replicaram o trabalho, confirmando os números revelados pelo Instituto do Sono e consolidando esses resultados. Ou seja, de cada 3 leitores dessa coluna, 1 tem AOS. Assustador, não é mesmo?
Ronco
O ronco é o som gerado pelos tecidos da faringe em consequência da passagem do ar por uma via aérea mais estreita e “amolecida”. A AOS se caracteriza por episódios sucessivos de obstrução parcial ou total da via aérea que cursam com queda da saturação de oxigênio no sangue e fragmentação do sono, reduzindo o sono profundo. Geralmente, durante ou ao final de cada episódio desses a pessoa ronca. Mas, as apneias ocorrendo diversas vezes durante a noite de sono, dia após dia e ano após ano, favorecem um estado inflamatório crônico que pode contribuir para o surgimento e agravamento de diversas doenças.
Já é bem estabelecido na literatura a correlação entre a AOS e outras doenças crônicas como a hipertensão arterial, diabetes e a doença de Alzheimer, por exemplo.
É por isso que insisto: roncar não é normal. E, uma vez o ronco sendo o principal sintoma relacionado a AOS, deve ser investigado de forma ativa. Atenção também para outros sintomas relacionados a AOS. Como: sonolência excessiva, cansaço e fadiga, dores de cabeça pela manhã, disfunção sexual, perda de memória, boca seca, irritabilidade e ranger dos dentes (bruxismo).
Agora que você entendeu um pouco sobre esses grandes distúrbios do sono, está apto a julgar a necessidade ou não de uma avaliação médica. Não é mesmo?
Ou quem sabe ainda dar um toque no parceiro roncador, no vizinho sonolento ou naquele familiar que fica horas rodando na cama sem conseguir dormir.
Eles vão te agradecer.